quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Eros e Thanatos outra vez

Lembro-me muito bem do dia 15 de Agosto de 1978. Andava nas nuvens da paixão e cantava a todo o tempo, o que então passava na rádio e me interessava: O LP London Town, de Paul McCartney e os Wings e ainda City to City de Gerry Rafferty, dois excelentes discos que ainda hoje se ouvem com todo o prazer do momento.

Nas leituras, era na Rolling Stone que repousava os olhos ávidos pelas novidades musicais de lá de fora , da América.

No dia 15 de Agosto de 1978, feriado da Senhora da Assunção, já em casa e precisamente a esta hora ( tinha passado a noite em passeio, em grupo e com a minha amada, numa experiência de romaria a uma festa minhota), provavelmente lia esta notícia, um obituário de Sandy Denny, uma das cantoras que mais aprecio e cujos discos, são todos imprescindíveis, principalmente o primeiro a solo e que contém uma versão inultrapassável de um título de Bob Dylan: Tomorrow is a long Time. O tema, é a perfeita transposição, no tempo, dos sentimentos de paixão que me separam de mulheres diferentes, num espaço de vinte anos. Fantástico. E com uma singularidade: foram as maiores paixões, as mais duradouras e provavelmente definitivas.

Quando Sandy Denny morreu ( num acidente doméstico, caiu de uma escada), senti uma tristeza pelo desaparecimento de uma voz única, como sinto sempre pelo desaparecimento dos artistas que felizmente, são muito, muito poucos.

No caso dela, porém, ficaram os discos. Passados uns meses, em Janeiro de 1979, experimentei o maior sofrimento da minha vida, associado à perda daqueles que amamos. Nem imaginava, ao ler em Agosto de 1978, a notícia da morte de Sandy Denny, que dali a um tempo, experimentaria o maior pesadelo que alguém pode ter, naquela idade: perder para sempre aquela que se ama.

É em sua memória que deixo aqui este postal. Como deixo um poema de António Feijó ( poeta de Ponte de Lima, 1859-1917) que li sempre acompanhado, com as mencionadas e com uma profunda tristeza, porque é um poema tragicamente realista. Romântico. Porque a essência do escrito, sendo verdade, é iludível pela vontade de contrariar o veredicto antecipado do Tempo. Só tarde demais nos apercebemos do conteúdo terrível da profecia que encerra. É notoriamente uma alegoria de Thanatos.

Pela montanha alcantilada
Todos quatro em alegre companhia,
O Amor, o Tempo, a minha Amada
E eu subíamos um dia.

Da minha Amada no gentil semblante
Já se viam indícios de cansaço;
O Amor passava-nos adiante
E o Tempo acelerava o passo.

_ " Amor! Amor! Mais devagar!
Não corras tanto assim, que tão ligeira
Não pode com certeza caminhar
A minha doce companheira!"

Súbito, o Amor e o Tempo, combinados,
Abrem as asas trémulas ao vento...
_ " Porque voais assim tão apressados?
Onde vos dirigis?" _ Nesse momento,

Volta-se o Amor e diz com azedume:
_ " Tende paciência, amigos meus!
Eu sempre tive este costume
De fugir com o Tempo...Adeus! Adeus!"

1 comentário:

MARIA disse...

Desculpe.
Eu sei que depois de prometer-lhe reserva, este era o post onde mais lhe devia contenção.
Mas, é tão linda esta história, tão linda.
Já viveu tudo isso .
E ainda assim, vive realmente. Luta, é mais que um sobrevivente, é vencedor.
Há quem nunca tenha vivido , sequer, uma parte e ande a fazer de conta que ainda vive...
Desculpe ter entrado hoje, aqui, neste espaço.
Mas sensibilizou-se a um ponto que me foi impossível evitá-lo.
Compreenderei se apagar o comentário, só queria que soubesse o efeito que o post teve sobre mim.
Também deixar-lhe um beijo, muito muito especial.
Maria