domingo, 15 de junho de 2008

Abraxas de Santana



Contemporêneo das descobertas na banda desenhada, é um dos discos que mais escutei na adolescência. Abraxas, dos Santana.

O LP, saído em finais de 1970, foi uma das aquisições de um amigo meu, cujo gira-discos passou a repetir agulhas, nos sulcos de Oye como va e Black magic Woman.

Para nós, Santana, nesse tempo, era uma recordação de um portentoso solo de bateria, pelo então baterista Mike Shrieve, no festival de Woodstock.

Abraxas, tinha um motivo principal da preferência: o êxito, Samba pa ti. Contudo, de tanta audição, tornou-se uma segunda escolha e de repente, os motivos de entrada do órgão minimalista de Black Magic woman, ganharam mais relevo do que o fraseado do slow Samba pa ti ( aqui em boa versão Youtube, de um espectáculo no Japão) .

Slow tão óbvio como Samba pa ti, torna-se difícil de encontrar, ( só Europa, meia dúzia de anos depois) porque instrumental de muito aconchego de adolescência, em bailes de salão com música gravada.

No entanto, Abraxas, é um conjunto de temas e canções com ritmo afro-latino, misturado com a guitarra de Carlos Santana, um dos mestres desse instrumento da música popular.

O encadeamento dos temas, é perfeito na passagem instrumental de uns para outros.

O disco começa em tom calmíssimo, de vagas pianísticas e som de maré, interrompido por uma guitarra eléctrica que vai pontuado a paisagem sonora, em instrumental que adquire ritmo de jazz rock, alguns minutos depois.

A entrada de Black Magic Woman, canção de Peter Green dos Fleetwood mac, aparece em sonoridade organística, pontuada pela guitarra em modo bluesy, numa transição perfeita. A voz surge apenas a meio da canção, em ritmo quase latino.

Oye como va, depois de uma refrega de guitarra, no final de Black Magic Woman, surge num tom calmo e de salsa, em mais uma transição perfeita. Oye como va, é um clássico, um standard deste tipo de música que convida imediatamente a bater o pé e a mexer os quadris. As percussões, são fundamentais nesta canção de êxito, à qual se seguem mais três de ritmo afro-latino, com grande intervenções de guitarra rock e misturadas em ambiente sonoro descontraído.

Antes de Samba pa ti, toda em guitarra solo, Mother´s daughter, acaba em ritmo eléctrico de frenético e o começo do slow é uma surpresa de disco de luxo. Por isso, a que se lhe segue, Hope you´re feeling better, retoma o funky-rock, num evocação hendrixiana, para deixar espaço sonoro à última composição, El Nicoya que começa em tom de batuque e marimbas e se desenvolve em ritmo dançante de percussões variadas.

Abraxas é um daqueles discos que se ouve vezes sem conta, depois de se ter escutado tudo.

Ao longo dos anos, Santana tem editado vários discos, alguns deles de êxito assinalável e recheados de pequenas pérolas musicais.

Depois de Abraxas, voltei a interessar-me pelo Santana de Welcome, em 1973, com duas músicas de antologia: Love devotion and surrender e When i look into your eyes.

O seguinte, de 1974, Borboletta, contém Promise of a fisherman e a seguir, terminam os meus discos de Santana, com o álbum ao vivo, de 1977, Moonflower. Contém êxitos passados e ainda uma interpretação asinalável de She´s not there, dos Zombies, o motivo principal para o ter comprado.

O que veio a seguir, são repetições.

sábado, 14 de junho de 2008

Histórias de desenhos


Estas imagens que seguem da autoria do indivíduo acima retratado ( em 2000), têm uma história desenhada que pode ser lida na Porta de Loja.

A banda desenhada, representou ao longo dos anos, uma espécie de alternativa à arte mais clássica e de museu. A pintura e o desenho publicados em revista ou jornal, para ilustrar historietas, sempre foram uma das coisas que me interessaram ao longo da vida.

O autor aqui representado, Jean Giraud/Moebius, um francês de boa estirpe estética, é um dos maiores dessa arte que alguns entendem menor e outros sublimam aos píncaros da beleza.





domingo, 1 de junho de 2008

José Almada

José Almada ao vivo, em Ovar, num pequeno teatro de aconchego em que o palco, decorado em motivos de gosto rural e antigo e as cadeiras da plateia quase se tocam, numa simbiose entre os artistas e os espectadores, apresentou as suas canções, não cantadas em público desde há mais de trinta anos. Como novidade, ainda cantou algumas inéditas e de idêntica matriz.

Numa plateia conquistada de avanço, pela expectativa de ouvir algo já gravado e reconhecido há muitos anos , José Almada não desiludiu os seus admiradores, no modo de tocar e cantar músicas simples, de poucos acordes, mas de sensibilidade grande e imaginário poderoso, em panorama alargado ao bucolismo, aos campos, animais e sentimentos humanos mais profundos e perceptíveis, na maneira de dizer e cantar.

A ovelha bale bale”, introduziu a dúzia e meia de canções dos dois discos a solo, publicados no início da década de setenta, mais algumas inéditas e recentes, numa tonalidade de voz que recupera as inflexões originais e acrescenta outras, surgidas com o tempo de espera de mais de trinta anos.

As palmas vigorosas que se seguiram e repetiram, permitiram ao cantor ajustar a viola acústica de cordas de nylon e a cantar de pé, como será seu costume, introduzindo o tema seguinte, Hóspede e logo depois, Olha as ovelhas como são, duas das melhores do primeiro disco.

A instrumentação singela, da simples viola acústica, no concerto, apenas acrescenta os contrapontos necessários à música cantada por José Almada, em acordes de acompanhamento que complementam a voz e são os temas, conhecidos, do disco, que trazem à memórias as frases mágicas, como em Homenagem, cantada a seguir a Anda Madraço, esta, numa versão de vivacidade superior à do disco.

Homenagem, é um tema de êxito certo, para uma composição que no disco, vai ao mais fundo do tempo, onde se enterram os mortos e celebram os vivos.

A sublimação musical de um tema orientado à volta de uma cerimónia funérea, adquire cambiantes artísticos no uso das palavras que definem e descrevem a diferença da pompa e circunstância de um enterro nobre e um outro de maltrapilho.

A evocação de um tema deste género, de contexto algo lúgubre, adquire outro contorno, paradoxalmente mais alegre, na tonalidade musical de um ritmo que descreve um andamento fustigado, em tudo contrário ao esperado compasso que o tema sugere.

A música, também sublime, torna este tema o paradigma da obra de José Almada: o uso de palavras raras e esquecidas, com evocação de vivências passadas e antigas, num leit-motiv sempre presente: o das pessoas humildes e despojadas de bens, que não de sentimentos ou humanidade interior e sentida, muitas vezes, em ligação telúrica com o campo e as suas realidades de equilíbrio antigo. Uma ecologia folk, enraizada, do tempo em que nem se falava no assunto.

É esse o tema fundamental da obra de José Almada e que o torna único no panorama da música popular portuguesa, ao saber aliar a extrema musicalidade da sua obra, a letras de grande qualidade literária, de autores consagrados ou de pessoas que lhe foram próximas e escreveram no mesmo tom.

A audição do primeiro disco de José Almada, Homenagem, comprova isso mesmo, porque se torna em pouco tempo, um exercício de repetição prazeirenta de sons agradáveis ao ouvido. É um disco cativante e de efeito aditivo, pela beleza e musicalidade das composições.

Em bónus, nada despiciendo, essas composições, trazem sempre um ângulo ou perspectiva de uma vivência única que no caso do autor, terá sido mesmo experimentada, na vida real dos anos setenta e oitenta. O convívio com pastores, agricultores e a vida rural, em particular, no Douro de Armamar, juntando o bucolismo e o agreste, soma-se ao convívio literário com autores de grande qualidade temática, como é o caso de José Gomes Ferreira.

Na confluência desses elementos particulares, e que criam um clima próprio e único, a música de José Almada atinge por vezes os píncaros do génio da beleza poética e artística.

Ora, foi nesse estado de espírito que esperei o concerto, levando comigo o disco original e ainda uma revista Mundo da Canção, de Dezembro de 1970 que transcreve um tema das suas músicas, precisamente Mendigo, e uma apreciação crítica do disco então saído, da autoria de Tito Lívio, exigente crítico da revista e que considerou essas obras musicais, de José Almada, como “muito positivas”.

No intervalo do concerto, à procura do cantor, encontrei-o nos bastidores e foi uma emoção, manifestar-lhe o quanto me agrada a sua música e os motivos que me levam a apreciá-la.

A sua grande simplicidade no trato e alguma timidez, por temer não estar à altura das expectativas musicais, depois de mais de trinta anos de voluntário afastamento das lides musicais, são apenas o pretexto para lhe solicitar os autógrafos que nunca peço a artista algum e que neste caso me dão um enorme prazer e guardo como preciosidades, porque me trazem de volta o tempo em que descobri estas pequenas maravilhas da sua música.

Na conversa que se seguiu, nesse intervalo e no fim da actuação, houve tempo para perceber os motivos do afastamento, as razões da gravação dos discos e o contexto em que ocorreram e ainda as dificuldades em obter actualmente, uma via para uma publicidade mais consentânea e merecidíssima, com a sua obra de 1970.

Escrever sobre o concerto e a música de José Almada, tem de arrastar consigo a referência obrigatória a estas sensibilidades que a sua música convoca, porque são a essência dela e que lhe dão alma distinta.

A música de José Almada não se descreve. Escuta-se e aprecia-se, sendo redundantes os adjectivos que se lhe possam colar, vindos de quem aprecia. O concerto, relata-se em poucas palavras: excepcional e memorável, mesmo tendo em conta a exiguidade de meios e a singeleza da apresentação.

Os pormenores sobre a sua simpatia, personalidade ou maneira de ser, complementam apenas essa essência de luxo musical, na pele de um Mendigo, um Pastor que chora, um amigo dos lagartos, porcos, ovelhas ou caracóis, em modo musicado.

No artigo de Tito Lívio, na Mundo da Canção, nº 12, de 15.11.1970, sobre o primeiro disco, escrevia-se:

"Questões haveria a pôr: sinceridade, coerência, eficácia, progressismo ou aprogressismo de uma canção como esta, etc...problemas afinal, que outros ( possíveis) discos de José Almada possam vir a esclarecer. Para se poder ver lucidamente. Bem como o porquê daquela forma estranha de pronunciar os esses".

As questões estão respondidas e de modo a contentar os que alguma vez tiveram dúvidas: o concerto de José Almada, em Ovar, deu resposta a algumas delas. A sua vida anterior, responde às demais. O seu regresso, pode acrescentar algo mais à história que ainda não terminou, para bem de todos nós que apreciamos o que ouvimos.