quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Discos sem tempo esquecidos no tempo

Na música popular portuguesa, há certos discos que por uma razão ou outra nunca foram reeditados, ou perderam a validade para a memória musical do tempo corrente.

No final dos anos sessenta, já havia grupos e cantores de música popular em Portugal, suficientemente capazes de concitar a admiração pela qualidade das músicas e ainda das letras.

Durante muitos anos, a música popular, reduziu-se ao fado e ao folclore, e a grupos que aí se inspiraram. Um dos mais importantes, foi, sem dúvida, o conjunto António Mafra, com uma série de êxitos, saídos directamente da inspiração da música popular de raiz folclórica, das chulas, viras e marchas das festas populares. Se juntarmos o conjunto Maria Albertina a esse lote, ainda podemos associar o Trio Odemira e outros que vendiam singles e cassetes quando elas apareceram em massa, no início dos anos setenta.

Também nessa época, surgiu no panorama musical, outro tipo de grupos e outro tipo de música que se inspirava directamente no que vinha lá de fora da Inglaterra e da América.

O Conjunto Académico João Paulo e o Quarteto 1111 de José Cid, foram grupos inovadores, assim como o foi, a maior revelação de finais dos sessenta, a Filarmónica Fraude, de António Pinho e Luís Linhares.

Nessa altura, apareceram ainda os cantores de intervenção, designados como baladeiros que trouxeram a renovação da qualidade musical ao panorama incipiente dos anos anteriores.

Alguns desses baladeiros, com destaque para Manuel Freire, padre Fanhais, José Barata Moura, etc. marcaram algumas canções emblemáticas dessa época, como também o fizeram José Afonso, José Mário Branco e Fausto.

Algumas músicas, discos e canções ficaram, porém, esquecidas, não tendo saído do tempo em que foram publicadas. Nunca foram reeditadas em cd, nem se apanha traço delas em colectâneas ou recolhas avulsas.

Estão neste caso, os singles de Duarte & Ciríaco, de finais de 1969, com destaque para a canção popular da Beira Alta, Chária. Ninguém mais ouviu tocar e cantar A plaina corre ligeira, Chária, Chária, Chária, oh!

Assim, como nunca mais se ouviu Luís Cília, nas primeiras canções e a canção da Filarmónica Fraude, Animais de estimação, não se encontra facilmente.

Não é possível ouvir as primeiras canções de Fausto, nomeadamente Oh Pastor que choras, com poema de José Gomes Ferreira, ou Chora, amigo, Chora. Como não é possível ouvir as Novas Canções de Nuno Filipe ou Teresa Paula Brito, em Minha Senhora de Mim.












Dentre estas raridades que apenas é possível captar o som, no vinil original, e se for encontrado, destacam-se duas ou três obras fundamentais, inclassificáveis e que permanecem actualíssimas na sua qualidade intrínseca de música popular portuguesa.

A primeira, é um single de António Macedo, de início de 1970, intitulado Erguer a voz e cantar e que apesar de tudo aparece num cd de colectânea chamado Manhã Clara, a palavra e a música de Abril de 74, editado recentemente:

Erguer a voz e cantar

É força de quem é novo

Viver sempre a esperar

Fraqueza de quem é povo.

E a seguir, o estribilho:

Canta, canta amigo canta

Vem cantar a nossa canção

Tu sozinho não és nada

Juntos temos o mundo na mão.

Da mesma data e com relevo impressionante que só espanta em como nunca se recuperou em disco, mesmo cd, existe a música de Luís Rego, em Amor Novo, com letra de Maria Flávia. O single, gravado pela Vogue francesa, justifica-se porque Luís Rego, na época já se encontrava emigrado em França e fazia parte do grupo Les Charlots.
A canção, porém, é das melhores de sempre de toda a música popular portuguesa.












Ainda da mesma época, o single de Fausto Oh pastor que choras, é um lamento que nunca foi escutado em cd. Raridade absoluta, jazia há um par de anos num antiquário de Coimbra, que o vendeu por meia dúzia de euros.

Finalmente, mas não em último lugar no interesse, uma disco LP inteiro, sem excepção em nenhuma música. Nunca foi reeditado e apenas foi dado a conhecer em lugares de culto como este










Em 1970, a etiqueta Zip Zip publicou Homenagem, de José Almada, então com vinte anos.

O disco é de uma sobriedade e riqueza tal, na sua simplicidade, que representa para mim, um dos píncaros da música popular portuguesa. As letras exploram uma faceta da vida social, relacionada com um despojamento total que emparelha muito bem com os temas com que intercala: a morte nua e crua, realidade dos tempos de sempre.

E afinal, venho a saber que José Almada é vimaranense, terá hoje 56 anos e chama-se José de Almada Guedes Machado. No blog da cantiga que foi uma arma, pergunta-se: por onde andas, José?

Imagens: da revista Mundo da Canção e das capas dos singles originais e ainda do blog ratorecords

domingo, 23 de setembro de 2007

Creedence Clearwater Revival

A imagem que os Creedence Clearwater Revival transmitiam não se confundia com a de outros grupos mais ousados estetica e visualmente. Não eram um grupo susceptível de ser associado a drogas, a marginalidade, a provocação social pela originalidade no vestir ou nas atitudes, como por exemplo os Rolling Stones, na mesma época.

Em 1969, o grupo publicou três LP´s: Bayou Country, em Janeiro; Green River , em Agosto e Willy and the Poor Boys, em Novembro. O primeiro Lp do grupo saira em Junho de 1968, intitulado simplesmente CCR. Continha a canção Susie Q, de Dale Hawkins e que começa de modo suave, com uma pequena frase de guitarra , com meia dúzia de notas que se repetem ao longo da canção e marcam um ritmo hipnótico, que porém nada tem a ver com as composições psicadélicas em voga nessa altura. Contém um pequeno efeito, no meio da canção em que entra a voz de John Fogerty, como se fosse transmitida por telefone. Em entrevista à Rolling Stone nº 649 de 4 Fev. 1993, J.F. dizia que lamentava ter inserido essa parte na canção, mas que foi a primeira canção de sucesso do grupo.

Os CCR foram o primeiro grupo que gostei incondicionalmente, pela música, exclusivamente, tirando à parte as figuras vagamente estranhas dos músicos, com cabelos mesmo compridos, barbas e bigodes, à semelhança de outros indivíduos de um grupo inglês chamado Jethro Tull e dos quais nada conhecia senão a imagem em fotografias a preto e branco, nos jornais e que davam a impressão de serem mais uns hippies sem importância. Os Jethro Tull de Ian Anderson! Um dos grupos que mais marcou o gosto nos anos setenta!

Em 1969, a canção Proud Mary do LP Bayou Country, tornou-se um refrão de todos os dias: “rollin, rollin, rollin on the river...” Foi só essa, mas era o bastante para nunca mais despegar. A canção tinha uma característica que se repetiria noutras do grupo: a rítmica de ferro e o tempo médio, com variações seguidas e em cascata que pareciam evidentes, e que eram sublinhadas pela bateria de Doug Clifford e pelo baixo de Stu Cook. A canção começa logo com uma dessas batidas em cascata e a meio, logo a seguir ao refrão, muda o tom e vem outra variação que sublinha a beleza da música simples, de sol e do, que um grupo composto por duas guitarras , uma ritmo e outra lead, a que se junta a guitarra baixo e a bateria, pode atingir.

O grupo era liderado pelo fundador John Fogerty, nascido em 1945 que além de compor quase todas as canções, produzir e arranjar as músicas, tocava guitarra solo e cantava como poucos na música rock. A voz, só por si, era um documento da vocalização rock.

A música dos CCR, em si, é um expoente do rock n roll, e nas palavras de Greil Marcus, nas notas do disco Chronicle, best of publicado em 1976, há pelo menos quatro canções nesse disco que literalmente o definem como uma forma musical e uma versão do espírito americano: “Proud Mary”; “Green River”, “Fortunate son” e “Up around the Band”. Cá por mim,, talvez se acrescentassem mais algumas: “Bad moon rising” de Green River; “Down on the corner” de Willy and the poor boys”; “Looking out my Back Door”, “Who´ll stop the rain” e “Long as I can see the light”, de Cosmo´s Factory; “Have you ever seen the rain”, um grande êxito e ao mesmo tempo uma canção que atravessou os anos como um clássico da música pop e que faz parte do disco Pendulum de Dezembro de 1970 que também continha Hey Tonight e Hideaway.

Have you ever seen the rain é uma daquelas canções que marcaram indelevelmente o gosto pela música pop. O tema é anódino: fala de chuva a cair num dia de sol, e metaforicamente de alguma coisa que pode correr mal quando tudo parece estar bem. Toca-se no tal ritmo médio e a variação sublinhada pela secção rítmica, de batida certa, sendo quase acústica e com um fio de órgão que acompanha a voz única de John Fogerty. É definitivamente uma canção de rara felicidade musical e está certamente entre as dez mais de toda a música pop, para mim..

Segundo John Fogerty, na entrevista já citada, um disco de rock n roll, feito como deve ser, deveria conter o seguinte: 1º, um bom título; 2º, um bom som ;3º ter pelo menos uma grande canção, que seja válida por si e possa ser cantada independentemente do disco; por último, um grande disco de rock n roll deve conter uma parte de guitarra original e apelativa e dá como exemplos, o início de Bad moon rising, Up around the bend e Born on the bayou, que contém acordes que encaixam nessa definição. É um som simples de tocar e soa bem numa pequena aparelhagem. Não é preciso uma grande sistema de alta fidelidade para apreciar toda a beleza da coisa. É essa a filosofia da música dos CCR, tal como definida pelo próprio génio do grupo que depois de um extenso interregno desde 72, altura em que o grupo se desfez até 1987, nunca mais tocou em público as canções antigas e que em 1973 publicou Blue Ridge Rangers; em 1975 o primeiro a solo, com o próprio nome em título e em 1985 Centerfield, a solo, seguido por último de The eye of the zombie.

Não obstante o facto de logo no início serem um grupo de sucesso, com a canção Suzie Q, na mesma altura, saía o Lp Music from Big Pink dos The Band que fizeram a capa da Time.

Na entrevista à Rolling Stone., John Fogerty dizia ter sentido alguma inveja desse grupo, devido principalmente à atenção que os mesmos mereciam por serem de Nova York ou Woodstock, ou Big Pink ou Bob Dylan, ou fosse o que fosse, apesar de sentir igualmente que os mesmos tinham boa música.

A propósito da música dos CCR, as influências mais notórias radicam no rock n roll dos anos 50-60 e na música de Elvis Presley, Carl Perkins, Johnny Cash ou Jerry Lee Lewis. Por isso, o disco Green River, além do baixo eléctrico de Stu Cook, apresenta ainda em simultâneo um baixo acústico; a voz tem um ligeiro eco e a guitarra eléctrica e rítmica de Tom Fogerty, é ainda dobrada por uma guitarra acústica , tudo gravado em 16 pistas, uma inovação tecnológica para a época.

Em 1972, o grupo desfez-se por desinteligências entre os membros, particularmente devido ao facto de ser o grupo de um homem só e que impôs aos restantes membros a sua receita para o sucesso. Nessa altura, o score ia em oito singles e oito albuns de ouro, consecutivos .

E em Portugal, como é que o grupo era visto?

Na revista Mundo da Canção de Dezembro de 1970, o crítico Tito Lívio, escrevia “ CCR no limiar possível da comercialidade” , parafraseando a Rolling Stone que então já dedicara um número ao grupo (Fevereiro de 1970) e definia a música do grupo como sendo um “rock simples, num retorno às fontes primitivas da pop, música colorida, sem problemas, jogando com o factor importante de uma voz poderosa extraordinariamente realçada. A construção das suas músicas obedece sempre ao mesmo princípio de efeitos antecipadamente garantidos: uma introdução de guitarra heavy, um trabalho vocal vigoroso, um improviso de guitarra e de novo uma parte vocal a finalizar.”

Era assim, a crítica musical nessa época. A acompanhar o texto, vinha uma fotografia a preto e branco dos membros do grupo sentados na relva, onde se destacavam as calças de ganga e as botas de cowboy, e que conferia uma imagem de marca que influenciava o gosto de quem começava a reparar nessas coisas. A foto podia ser esta:

Imagens: livreto que acompanha o disco Chronicles-the 20 greatest hits, de 1995 ( disco original de 1976).

Memórias da música popular

Escrever sobre memórias musicais, com referências a gostos particulares pode ser ingrato e sujeito às imprecisões diacrónicas.

A memória mais remota que alcanço, em matéria musical reconhecida, são os primeiros anos dos sessenta.

Em 1964, 65 e 66, ouvia-se na rádio e em discos single, as canções de Roberto Carlos, brasileiro que popularizava em quadras redondas, trivialidades e até o amor para efeitos comerciais. O Calhambeque e Namoradinha de um amigo meu, foram músicas que lembro bem.

Incontornável nessa época, era também a música popular do Conjunto António Mafra, com uma série de êxitos continuados e de alto valor artístico, nos estreitos parâmetros que a música folclórica de viras, marchas e chulas, permite. As letras eram de sabor popular e brejeiro, mas de graça certa. O carteiro, O vinho da Clarinha, Sete e pico e Ora vejam lá, são êxitos de sempre, na música popular portuguesa.

Outro êxito retumbante da época foi Ó tempo volta p´ra trás, cantado por António Mourão.

Em 1966, os espanhóis Los Bravos, cantavam Black is Black. A rádio de então passava mais música do mundo do que hoje acontece. E por isso, ouvia-se Adamo, Christophe ( Aline), algumas canções italianas e arremedos de outras músicas que eram a modernidade nos hit parades de então.

Naquele ano de 1966, na música popular de origem inglesa e americana, então já importante no mercado português, através das maiores editoras, produziram-se muitos e bons trabalhos. Por exemplo, saíram nesse ano, os discos Blonde on Blonde de Bob Dylan; Pet Sounds dos Beach Boys e Sounds of Silence de Simon & Garfunkel .

Nenhum desses trabalhos, ou até mesmo o nome dos artistas era uma referência familiar, mesmo vagamente, embora mais tarde os viesse a considerar como obras primas, em função do conhecimento e do aperfeiçoamento do gosto.

Porém, se ouvisse um programa de rádio que passava no Rádio Clube Português, chamado “Em Órbita” e que começara em 1 Abril de 1965, apresentado por Jorge Gil, era mais que provável ouvir todos esses artistas, pois era também o único programa da rádio portuguesa em que tal seria possível..

Por essa ocasião, e no ano de 1967, já Sandie Shaw, de cabelos negros lisos e descalça, cantara Puppet on a string no festival da Eurovisão, uma canção pop que a ninguém deixara indiferente e o país já vira e ouvira Eduardo Nascimento, cantar O vento mudou com que ganhou o festival da canção nacional desse ano.

No Verão de 1967, começou a ouvir-se uma música chamada Whiter Shade of Pale do grupo inglês Procol Harum e que começava com uns acordes de órgão Hammond, baseados num andamento de uma cantata de Bach e uma outra fez o pleno do Verão. Em Julho, Scott Mckenzie cantava San Francisco , canção que celebrava o flower power e o movimento hippie.

Em 1967, os Beatles eram célebres, mesmo em Portugal, sendo bem conhecida a canção “Yellow Submarine”, do álbum Revolver de Agosto de 1966, reeditada em 1969 no álbum do mesmo nome, mas o que era sem dúvida marcante era a frase que um deles ( John Lennon), em Julho de 1966 tinha dito no sentido de serem naquela altura mais populares que Jesus Cristo.

Era uma blasfémia, imperdoável. Aliás, o escândalo tinha sido grande em todo o mundo e na América tinha havido alguns autos de fé em que se queimaram coisas alusivas ao grupo.

A música dos Beatles, no entanto, era um fenómeno que por sua vez se tornava secundário relativamente aos epifenómenos que suscitava, ligados à moda e aos costumes, em evolução acelerada, o que igualmente sucedia, talvez em maior grau com os Rolling Stones, de quem não conhecia nessa altura nenhuma música em particular, e relativamente aos quais só mais tarde veio a apreciar a música, mesmo a desse tempo, como Ruby Tuesday ou She´s a rainbow.

Os Stones diferenciavam-se dos Beatles pela imagem pública de maior rebeldia e confronto com o sistema social então preponderante, mesmo na Inglaterra e na América, de grande conservadorismo nos costumes. Os meios de informação encarregavam-se de alimentar o mito que se foi criando, relatando que os Stones tinham sido vistos a urinar em locais públicos, ostensivamente, como se isso fosse um ultraje inultrapassável à civilização ocidental ou dando conta da maior displicência demonstrada pelos membros do grupo relativamente ao seu público. E no entanto, essa imagem funcionava como apelativa para quem se projectava nessa rebeldia e ambicionava um maior distanciamento da geração precedente.

Algumas canções que se ouviam e alguns desses subprodutos eram extremamente agradáveis ao ouvido e como ainda era custosa a adaptação aos movimentos e à sonoridade acústica e exclusiva das cordas dos violinos, violas e violoncelos, tornava-se muito mais fácil gostar de ouvir Mary Hopkin cantar Those Were the Days ou até Delilah de Tom Jones , para não falar de Hey Jude ou Ob La Di, Ob La Da, dos Beatles.

Em 1968, em Portugal, Marcelo Caetano tomava conta do poder, como presidente do Conselho de ministros; nos USA, em Junho, era assassinado Robert Kennedy e meses antes igual destino tivera Martin Luther King. Em Maio, em França, os estudantes universitários barricaram várias ruas e tentaram a revolução popular, mas em Portugal pouco se falou disso.

Em Portugal, a mudança na chefia do Governo trouxera uma abertura política tímida e um pouco mais de liberdade de expressão. Nada de especial, ainda não era possível criticar abertamente o Governo, mas pelo menos permitiu o surgimento de uma revista ( ainda da Agência Portuguesa de Revistas), quinzenal e chamada Cine Disco, cujo número de estreia apareceu em Dezembro de 1968 e em Agosto de 1969 passou a chamar-se Mundo Moderno. A história da revista, já foi contada, sumariamente, na Portadaloja.

As novas referências implicavam uma alteração qualitativa no gosto por modinhas de hit parade e representavam uma evolução para rock mais inovador, elitista e snob, como era o gosto do apresentador do“ Em órbita” que educou muito ouvinte para a música popular que se produzia fora de Portugal.

1969 foi o ano de descoberta dessa inefável sensação de pertença a uma coisa nova e agradável que se movia com a cultura popular: a música rock.

Em 1969 houve um acontecimento que marcou o ano, no mundo: Em 20 de Julho a nave Apollo 11 chegou à lua e o primeiro homem, Neil Armstrong, pôs lá o pé. O espectáculo começara três dias antes, com o lançamento da nave, na Florida e passou em directo na televisão, a horas tardias e já no dia 21, tendo em conta a diferença horária.

A revista Rolling Stone, criada em 1967 por um estudante universitário, Jann Wenner, em Abril de 1969, escrevia: Quer nos agrade quer não, chegámos a um ponto da história social, cultural, intelectual e artística dos Estados Unidos em que todos vamos ser tocados pela política. Já não podemos ignorá-la . ela ameaça a nossa vida quotidiana, a nossa felicidade quotidiana... Os negros e os estudantes são nossos irmãos e estão a fazer coisas de que temos de ter consciência .

A revista, em 1969, não era ainda conhecida, nem me lembro de a ter visto então, mas iria tornar-se uma das principais fontes de informação sobre a música e a cultura popular americanas e iria proporcionar dos momentos mais duradouros de prazer estético e intelectual, nos anos setenta, ao jovem embasbacado com os seus números quinzenais, em lugares de distribuição seleccionada.

Perante estas mudanças sociais e culturais, já não era mais possível fazer coexistir a música de Beethoven com a dos Beatles, de modo a escolher uma em detrimento doutra. Ainda por cima, o que ouvia cada vez mais, era essa música nova e que permitia uma identificação fácil e imediata com alguns dos valores que veicula e que apesar de não serem todos assimiláveis, por variadas razões, permitem o sonho com outras formas de viver ou a experimentação de outras sensações estéticas até então ignoradas e diferenciadoras da massa anónima.

De repente, a moda começou a transformar-se e as calças de fazenda com dobras em baixo, como se usavam nos anos cinquenta e o meu pai ainda usava, deixaram de ser referência comparativa com o que vinha lá de fora, embora com atraso significativo..

Quanto à música, essa descoberta gradual começou por algumas canções, nem sempre as mais importantes, significativas ou relevantes. Apenas as que melhor entravam no ouvido. Lembro-me de ouvir El condor pasa, de Simon & Garfunkel; uma versão do “hino à alegria” da nona sinfonia de Beethoven, por Waldo de Los Rios; Yester me, yester you, yester day de Stevie Wonder e Wight is Wight, de Michel Delpech e talvez Proud Mary dos Creedence Clearwater Revival..

Mas a par destas canções, fica a memória de grupos como os Archie com Sugar, sugar ou os Shocking Blue, como símbolo de modernidade e cuja imagem tinha mais a ver com a moda lá de fora do que com a música propriamente dita. O grupo não passaria no Em Órbita, de certeza! Nesse caso, o que impressionava era a imagem, de algo inacessível e apelativa e que tinha a ver com mulheres, ainda muito indefinido mas marcante.

Em Agosto do ano de 1969, em Portugal, a pretexto de sexo no cinema, falava-se de um filme especial: “Helga”. Sob a capa do fenómeno da maternidade, havia cenas pouco usuais de nudez feminina. Contudo, a curiosidade dos espectadores, mais voyeurs que outra coisa, saía frustrada porque o filme mostrava essencialmente o acto de dar à luz. Outro filme polémico foi A Piscina, com Romy Schneider e Alain Delon. No fim do ano, ainda a propósito de sexo, a revista Cine Disco, referia-se a um escândalo com o disco de Jane Birkin e Serge Gainsbourg,Je t´aime...moi non plus”. “Lembremos para os nossos leitores que ainda o ignoram que esta canção interpretada por Serge Gainsbourg e Jane Birkin está totalmente proibida ( venda e difusão) na Itália, Espanha e no Brasil. Motivo essencial: as palavras são susbtituídas por suspiros de alcova. A BBC, por seu lado, não passou o disco, por o considerar “unsuitable for playing”, negando assim a censura efectiva. O disco, porém, ainda hoje, não deixa indiferente quem o ouve, devido aos sussurros e suspiros da cantora que simula o acto de fazer amor.

Um filme que marcou a cultura pop, foi estreado em Julho nos USA. Easy Rider, com os actores Peter Fonda e Dennis Hopper como hippies, de mota, a fumar marijuana e a caminho de New Orleans, mostrava Jack Nicholson, no papel de um advogado bêbado. A banda sonora incluía temas de Jimi Hendrix, Steppenwolf e Byrds, para além de outros. A imagem genérica e a iconografia passou como uma das mais influentes do fenómeno hippie e de contracultura que caldeava a música popular, tendo chegado a Portugal os símbolos e a música.

No verão, em Inglaterra e nos EUA , organizaram-se os festivais da ilha de Wight e de Woodstock.

O primeiro contou com a presença de Bob Dylan, já nessa altura uma figura mítica e que foi cabeça de cartaz, apesar de só ter tocado uma hora, o que irritou a assistência, de 150 mil pessoas.

O festival de Woodstock foi o acontecimento desse ano e reuniu no local mais de 400 mil pessoas que mesmo à chuva cantaram e dançaram ao som de Jimi Hendrix, que interpretou o hino Star Spangled Banner; Janis Joplin, The Who, Canned Heat, Creedence Clearwater Revival, Greateful Dead , Crosby Stills Nash & Young que tocavam pela segunda vez em público e Santana que estreou um baterista, Mike Shriever que fez um solo de bateria memorável, tão memorável como a interpretação de Alvin Lee na canção I´m going home.

O festival foi tema de um número especial da revista Life e deu origem a um filme, dos mais conhecidos da música rock. Foi publicitado com o slogan de “Três dias de música e paz ”, o que não deixava de ser irónico, num país que nem um mês antes tinha assistido ao assassinato de seis pessoas ligadas ao cinema, em Beverly Hills, sendo uma delas Sharon Tate, mulher de Roman Polanski,, realizador de um filme estranho, Rosemary´s baby ( O Bébé de Rosemary). Adivinhe-se lá de quem era o bebé?

Os assassinos deixaram escrita a sangue, a palavra “porco”, numa das portas . O principal assassino, soube-se pouco depois, era Charles Manson, de 35 anos, ligado à música e cultura popular. O acontecimento foi amplamente noticiado, até em Portugal, onde a censura ainda existia e apesar de ter abrandado, cuidava particularmente dessas coisas que podiam mexer com sensibilidades.

Neste ambiente de violência, no final do ano, uma outra tragédia veio ensombrar ainda mais o meio musical: em Dezembro, os Rolling Stones decidiram organizar um concerto gratuito para as massas e apoiantes, na sequência do espírito de Woodstock.

Fizeram-no em Altamont, perto de San Francisco, em também entraram os Jefferson Airplane, os Grateful Dead e os Santana. Mais de 300 mil pessoas compareceram e não havia condições por não terem sido preparadas previamente.

Por outro lado , os Stones encarregaram a segurança no recinto ao grupo Hell´s Angels, um gang motorizado e dado à violência. Segundo Keith Richards, um dos elementos dos Grateful Dead tinha-lhe assegurado que o grupo não era muito perigoso e era possível controlar, o que já acontecera em concertos deles.

Apesar disso, as condições para a violência explícita surgiram rapidamente e segundo vários testemunhos atingiu um grau muito elevado, com espancamentos com tacos de bilhar e navalhadas, até que os Stones tocaram Sympathy for the Devil e a partir daí foi o pandemónio.

Um dos presentes, um jovem negro, puxou uma arma e foi imediatamente apunhalado até á morte, na frente de toda a gente.

Essa morte e a demais violência, excessiva e demente, fixou para sempre o fim da era da paz e amor nos concertos rock e na música popular, e Altamont tornou-se um adjectivo dos aspectos negativos do rock, tal como o disse Billy Graham, um promotor de espectáculos, já falecido. Há há um filme, Gimme Shelter, que fixou para sempre essas cenas e a desordem que se instalou.

Mas para além desses episódios trágicos, a música produzida durante o ano, foi verdadeiramente excepcional. A revista Guitar Player, em número especial de 1999, considerou mesmo esse ano de 1969, como o maior para a música rock, em termos estritamente musicais.

Os discos publicados foram tantos, tão bons e tão marcantes que não deixam grandes dúvidas em subscrever essa opinião, embora quase todos fossem ignorados, em detrimento do Sugar Sugar dos Archies ou o tema de amor do filme Romeu e Julieta de Henri Mancini. Mas por cá, já se falava de um grupo belga chamado Wallace Collection que tocava um tema muito passado na rádio: Day dream, com um coro de la la la, deveras cativante. E na música portuguesa, falava-se também do grupo Filarmónica Fraude, composto por seis elementos(1). Era um grupo de música moderna e por isso de culto, para os jovens em busca da novidade e qualidade na música, para além de António Mourão e outros do mesmo género.

Não era fácil com aquela idade e em Portugal, naquele meio, só através do rádio, dominar os fenómenos emergentes na música pop. Nem interessava. Assim, só por uma qualquer circunstância do acaso e talvez por uma curiosidade provocada quem sabe por um poster(2) ou por outro pretexto folclórico, poderia ter ouvido e gostado logo do disco Uncle Meat de Frank Zappa que saiu no mês de Junho desse ano ou até do primeiro disco dos Allman Brothers. Para além desses, saíram durante o ano, inúmeros álbuns de grande qualidade artística, alguns deles publicados em Portugal.

Entre eles, o segundo e terceiro álbuns dos Creedence Clearwater Revival, chamados Bayou Country e Green River. Aquele continha Proud Mary e o refrão “rollin´, rollin´rollin on the river” e a mudança de ritmo que a tornava irresistível como um clássico da música pop e o outro tinha Bad moon risin´e Lodi, do mesmo estilo.

Os CCR foram um dos primeiros grupos que ajudaram a definir o gosto pela música popular americana, antes, ainda, de Have you ever seen the rain.


[1] António Luís Corvelo de Sousa; José João Parracho; José João Pinheiro Brito; António Antunes da Silva; Júlio Vital dos Santos Patroicínio e João Manuel Viegas Carvalho. O tema mais conhecido tinha como refrão: Assim defino a vida de quem tem animais de estimação de vida sã. E em barracas com ar condicionado bichinhos que devoram croissants. Cães com casaquinhos de cambraia e gatos com golinhas de astracan.

[2] Durante os anos sessenta ganhou notoriedade a moda de anunciar os espectáculos com posters cuja concepção ficava muito a dever à Art Nouveau e ao desenho psicadélico das letras que se embrenhavam umas nas outras até se tornarem virtualmente ilegíveis. Os maiores cultores desta arte foram nos USA, Stanley Mouse e Victor Moscoso e mais tarde Rick Griffin e na Inglaterra Michael English.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Mais Selecções

As Seleções, foram durante dois ou três anos, na passagem dos sessenta para os setenta, uma das formas de aceder a livros e histórias curtas, vindas do lado de lá do Atlântico. Para além dos livros condensados, as histórias por vezes, eram impressionantes.
Foi nas Seleções que li pela primeira vez a história do bebé Lindbergh, raptado e morto por um facínora. Foi também aí que ouvi falar pela primeira vez numa história da Civilização de Ariel e Will Durant. E foi aí que surgiram histórias policiais, sobre a Polícia Montada do Canadá, sobre os investigadores ingleses e outras. Particularmente incrível foi a história fantástica de uns japoneses que se esconderam na selva, durante a II Guerra Mundial e passados 16 anos do seu término, ainda continuavam escondidos do inimigo, sem saber o que se passara entretanto, no mundo.
E foi nas Seleções que comecei a ver e reparar nas publicidades a aparelhagens sonoras e a ver mulheres de papel, com interesse mais inusitado do que até então...



























































quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Selecções

Uma das primeiras publicações que li, com o interesse em ler mais, foram as Selecções do Reader´s Digest que então se escrevia Seleções, porque eram redigidas em português do Brasil, pela própria editora que publicava excertos de livros, condensados em poucas páginas e ainda artigos de revistas americanas, como a Life, a Family Weekly, Good Housekeeping, Time, New York Times Magazine, etc etc.
Provavelmente, o primeiro número que comprei, foi em 1969. Com esta capa.

Provavelmente também, foi com esta revista que apanhei a mania das revistas americanas. A exposição ao conteúdo de certos artigos, cativou o interesse em querer saber mais das revistas onde se publicavam originalmente.

Por exemplo, o número de Fevereiro de 1971, de tantas vezes que o li, ainda conserva o perfume desse sentido de primeira experiência com certas sensações.





















Estas duas capas, representam um período longínquo de descobertas, de coisas fantásticas que só mais tarde percebi o verdadeiro significado e que são provavelmente a essência de relacionamentos humanos. Não foram as Seleções que mo ensinaram. Mas mostraram uma primeira via, percorrida depois, como me apercebo agora. As imagens contam, as fantasias ainda mais.





















Também com toda a probabilidade, a incursão num saber diversificado, ligeiro e divertido, atirou-me a atenção para um género de leitura que então comecei a adorar, por causa dos livros em si e por causa dos temas inesgotáveis que abrangiam: os almanaques.
Estes são dois exemplares de época e bem estragados estão pelo manuseio e constantes mudanças de lugar.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

40 anos de livros

Que livros me impressionaram durante a vida? Que livros mudaram de alguma forma o modo de olhar o mundo e compreender os acontecimentos? Que livros foram importantes durante estes últimos 40 anos, para mim que comecei a lê-los mais ou menos por essa altura?

A resposta não é simples ou linear, embora alguns livros possam indicar-se. Um dos livros mais interessantes que li ultimamente, refere-se aos livros que ninguém lê e diz que lê. Pierre Bayard, refere a história de um personagem de um livro de Musil, ( o Homem sem qualidades) um bibliotecário que nunca lia os livros que recebia e apenas folheava, lendo as badanas e catálogos, fazendo-o precisamente para não se dispersar na floresta de letras de todos os livros e não perder a perspectiva de conjunto.

Muitos livros citados por quem alardeia a sua leitura, não são mesmo lidos mas ainda assim, podem ser citados como tal. Um livro não é só o conteúdo exacto e preciso da sua escrita, mas também o seu contexto, a sua situação e a relação com outros livros e os seus autores. O exemplo de Pierre Bayard, é o Ulisses de James Joyce que poucos leram e muitos citam. O autor confessa que não leu nem precisa de o ler para saber de quem se trata e do que trata, numa visão de conjunto. Umberto Eco também acha que não é preciso pegar num livro para poder falar sobre ele e apresenta como exemplo, um livro perdito, o segundo volume da Poética de Aristóteles que trata o problema do riso e que é um livro proibido e instrumento de morte, nas mãos do seu guardião, o bibliotecário Jorge de Burgos. Apesar de o não ter lido, o monge-detective, sabe de que trata e fala extensamente sobre ele, na obra prima de Umberto Eco, O Nome da Rosa, talvez o romance que mais me afectou em todos os sentidos intelectuais.

Assim, para falar de livros, em princípio não é preciso lê-los, forçosamente e passo a demonstrar em seguida porquê. De resto, há livros que se lêem, livros que se relêem e livros que se folheiam e lendo-se em parte e ainda outros que se lêem por alto, passando páginas. Além disso, o processo de esquecimento, a partir de certa altura da vida, torna-se tão vulgar e frequente que as leituras com mais de vinte anos, ficam por conta da memória recuada e por vezes apagada. Que adianta citar livros que se esqueceram se nem sequer nos influenciaram a memória desse efeito? Ao recordar livros desses, lembramo-nos no contexto em que os lemos, mas não conseguimos sequer abranger toda a matéria e assunto que tratavam.

Assim, a resenha que segue, serve-se da memória e dos seus auxiliares que são os próprios livros e referência aos mesmos.

No princípio, os livros que não li, foram os originais com as histórias de Esopo e La Fontaine, mas que eram oralmente contadas, em repetição e pela tradição. Com onze anos, já tinha sido exposto a histórias de Grimm, de Perrault, de mitologia greco-latina, através de filmes na tv, de historietas de banda desenhada e de livros propriamente ditos, de aventuras e de histórias.

Com a visita mensal da biblioteca Gulbenkian, passei a frequentar autores de aventuras e o primeiro deles todos, era um com o herói que dava pelo nome estranho de Pequenu, de quem já não lembrava o autor mas a Internet me ajudou a situar como Dick Laan. Por ser tão pequeno que uma formiga se lhe assemelhava, o efeito da imaginação redutora, foi tão grande que passados anos, o filme Querida, encolhi os miúdos, remetia-me para essas historietas mal contadas mas ilustradas em papel grosso e capa dura de papelão infantil.

Salgari? As aventuras de piratas nos mares das Caraíbas podem contar para este acervo? Talvez. Como contam as histórias de Walter Scott e principalmente Ivanhoe, cuja leitura me conduziu a procurar os outros todos da literatura cavaleiresca medieval, com aventuras de guerra entre senhores feudais e reis longínquos, protegidos por robins dos bosques. As histórias de guerra e de cóbois, das revistinhas em quadradinhos da Agência Portuguesa de Revistas, tinham mais interesse que a Eneida ou a Odisseia, contadas por Adolfo Simões Muller e que também passaram no crivo do interesse.

Uma das mais importantes influências sofridas, para sempre, e sem o contar, foi o contacto primitivo com o latim escolástico. A primeira frase latina que li, foi “Lusitania et Hispania sunt vicinae” E depois: "Avara est formica, et prodiga cicada", com a acentuação fonética devidamente assinalada. Torna-se por isso, óbvio que um dos livros que mais me influenciou nesse tempo e para sempre, foi a Selecta Latina, numa edição de jesuítas e de compêndio de textos literários, curtos, de autores clássicos da cultura romana. A primeira imagem da Selecta é uma ilustração a preto e branco do Fórum romano, em ruínas que só visitei muitos anos mais tarde e que me pareceu fantástico.

Os textos desta Selecta contemplam obras de Cícero ( O Sonho de Cipião), C.J. César( Comentários sobre a guerra gaulesa), Públio Ovídio Nasão ( Metamorfoses). Pode ser lugar-comum que já poucos citam, mas o livro que me impressionou aos 11 anos foi a…Bíblia, particularmente o Antigo Testamento, em versão ilustrada e reduzida, com as histórias todas do Antigo Testamento. Essas histórias, para quem as não ouviu, impressionam de modo definitivo, porque lidam com o transcendente e fantástico real, para quem acredita em Deus.

Para além do Antigo Testamento, um dos melhores livros de histórias que se pode ler, também figura numa das páginas dessa Selecta, um nome- Dostoievski, escrito a vermelho de esferográfica, com um título – O Jogador. O livro é um dos escolhidos, sem dúvida, porque é mesmo um clássico, mas só foi lido depois dessa referência que vinha aí por causa do lançamente, nessa altura, dos livros de bolso da RTP ( em 1971).

Esta colecção permitiu o contacto primeiro com alguns clássicos não lidos e nunca lidos e alguns percebidos. Camões, por exemplo, tinha o poema épico e tinha os sonetos. O poema era a seca da análise morfológico-sintáctica, mas a compreensão do enredo, marcava qualquer um que a ele fosse exposto. A história trágico-marítima e a epopeia dos descobrimentos portugueses, inspirada nos clássicos greco-latinos, é uma das referências de sempre de todos os que por lá passaram. Como não?

Talvez por isso, para regressar à terra bem firme, o Escutismo para Rapazes de Baden Powell, seja um dos livros perdidos e que ensinavam a fazer camas de palhas secas, nas tendas de campanha e a fazer lume com fricção primitiva, ensinando a despistar inimigos em trilhos improváveis.

As histórias de guerra, eram as mais interessantes nessa altura e por isso um dos livros importantes é um livro pequenino de Lutz Koch, uma biografia de Rommel e a História da Segunda Guerra Mundial de André Latreille, da editorial Aster.

Em seguida, por força de coincidências, o Despertar do Mágicos, de Louis Pawels e Jacques Bergier, foi um dos livros lidos e relidos por causa do realismo fantástico de certas passagens.

Pouco depois, em plena adolescência, o interesse em romances de grande fôlego atingiu o paroxismo com a leitura do Monte dos Vendavais de Emily Bronte e a história de amor que é de suster os sentimentos. Mais histórias de amor, há em muitos romances, mas essa é a primeira de todas. A seguir a essa, vieram O Vermelho e o Negro de Stendhal, David Copperfield de Dickens, Alexandre Dumas, Vinte anos depois; Balzac, Flaubert de Madame Bovary e Dostoiewski de Crime e Castigo; os livros de George Simenon e do seu Maigret até chegar ao nirvana de Conan Doyle e todas as aventuras de Sherlock Holmes e ao supra-sumo de Edgar Allan Poe e todas as suas histórias fantásticas, passando por quase todos os romances de Eça, Camilo, Aquilino, Júlio Dinis e Trindade Coelho. A experiência de Camilo é avassaladora por causa das palavras e construção de frases; a de Eça, por causa dos enredos, da ironia e das personagens escolhidas. Aquilino por causa das histórias recentes e do uso especioso da língua e Trindade Coelho das passadas em Coimbra.

Todas essas leituras me prepararam para o romance da minha vida de 40 anos de leitura: O Nome da Rosa, de Umberto Eco, sobre o qual poderia escrever páginas e páginas, porque a obra assim o permite.

É verdade que falhei Goethe que não li, a não ser como o bibliotecário de Musil. Idem para Shakespeare, ou Tolstoi de Guerra e Paz; nem li Céline ou Baudelaire ou mesmo Verlaine, mas ouvi a música com poemas dos ditos e li os contos de Techekov e li Somerset Maughan e principalmente Sinclair Lewis de Babbit e ainda os livros de Tom Sawyer, de Mark Twain . Camus, não me interessou depois de folhear. Sartre idem. Faulkner não fui ainda capaz. Gide nem pensar. Não li Bukowski mas folheei e cheirava a vinho que se fartava. Nem li Burroughs pelos mesmos motivos. Nem li Jorge Amado, mas vi as telenovelas. Herman Hesse escapou-me sempre, mas da próxima oportunidade, não me escapa a leitura de The Glass Bead Game. Kundera? No, sir. Lampedusa, um dia destes, porque já não desprezo Moravia. Philip Dick já experimentei e vou continuar com The Three Stigmata of palmer eldrich. Cervantes é de certeza interessante, mas como conheço a história não me abalanço às centenas de páginas que estão sempre à espera. Tal como a Montanha Mágica que aguarda por melhores dias. Kafka li, mas não apreciei muito.Hemingway, gostei muito de O Velho e o Mar e acho que li Moby Dick, por falar em mar. Proust, só de ver o tempo que perderia, nem quero ler, para não ter de recuperá-lo. Gosto de Borges, do conceito dos livros de Borges e de alguns contos fantásticos.

Assim, ataquei no devido tempo , os autores de historietas policiais e de suspense terrorista dos autores ingleses e americanos que melhor escrevem: Frederick Forsyth; Grisham, Michael Crichton e principalmente John Le Carré de quem devorei toda a trilogia Tinker Soldier Spy que é das referências máximas desta literatura.

Passado o abalo do Nome da Rosa, em meados dos anos oitenta, levei com outra experiência forte, literária, com A Fogueira das Vaidades de Tom Wolfe e de quem alguns dizem que não é autor de literatura. Mas é. Contemporânea e eficaz.

É com este que fico e o elenco é assim:

  1. Clássicos vários dos gregos e dos latinos e respectiva mitologia inesgotável.
  2. Antigo Testamento.
  3. Walter Scott. Ivanhoe
  4. Dostoiewski. O Jogador.
  5. O Monte dos Vendavais, Emily Bronte.
  6. O Despertar dos Mágicos, de Louis Pauwells e Jacques Bergier
  7. O cão dos Baskervilles, de Conan Doyle
  8. A Capital de Eça de Queirós.
  9. Trilogia Tinker, Tailor, Soldier, Spy, de John Le Carré.
  10. O Nome da Rosa, de Umberto Eco