O ano de 1974, foi importante para a banda desenhada de expressão francesa. Se alguém me pergunta onde estava no 25 de Abril, a resposta é óbvia: a ler banda desenhada francesa, a desenhar, a ler revistas de música, actualidade e de diversa proveniência e a ouvir música. E assim passei todo o PREC, com incursões em reuniões de discussão cívica contra o comunismo e o poder popular de extrema- esquerda que se aprestava para tomar conta de Portugal. Revivendo essa época, custa-me sempre aceitar que houvesse gente com formação cultural já suficiente para perceber onde levaria a aventura comunista se trilhada até às consequências já conhecidas noutros países e ainda assim, assumissem o carácter científico da evolução social como uma invevitabilidade que nos conduziria à "sociedade sem classes". Muitas discussões públicas e em grupo de amigos, nada adiantaram, porque o poder de influência da propaganda de todos os media da época tinha um efeito letal na consciencialização política. Ainda hoje se sentem e sofrem as consequências de tal estado de coisas, generalizado nos anos setenta.
Nessa altura, andava obcecado positivamente com a descoberta do desenho de Giraud, em Blueberry, mas já se adivinhava nas pequenas ilustrações aqui e ali que algo de novo estava para aparecer.
Tal anúncio, aliás, é melhor explicado pelo próprio Jean Giraud, num livro autobiográfico, de 1999 ( Editions 1) , L´Histoire de mon double. Aí, Giraud, conta que a companhia de autores de bd como Tardi, Jean Pierre Cristin e Mézières ( que desenhou os primeiros táxis voadores que serviram de inspiração a Luc Besson para os filmes dos anos noventa) e ainda Nikita Mandryka, Gottlib e Druillet e a experiência dos comics underground americanos ( Crumb e Corben), através da Mad e dos traços de William Elder, o levaram para outras paragens da imaginação criadora, afastadas do imobilismo da revista Pilote e do seu director René Goscinny que continuava a aposta nas historietas para adolescentes.
As discussões que ocorriam semanalmente nas reuniões da Pilote, motivaram, logo no início da década de setenta, a saída para outras experiências gráficas de diversos autores da Pilote e fatalmente conduziram Giraud ao “Desvio” e aqueloutros a revistas como a L´Écho des Savannes.
O Desvio, é aliás, o título de uma pequena história em meia dúzia de páginas, na Pilote de 11.1.1973, com a família do autor e que relata uma viagem iniciática, em fim-de-semana.
É o próprio Giraud quem reconhece que foi esse o ponto de partida para o desvio real operado na sua obra e ainda assinou Gir, por timidez.
Na França de então, havia ainda uma outra revista que explorava os arredores da imaginação anárquica: Actuel, dirigida por Bizot e que se reportava directamente a revistas americanas, como a National Lampoon e os comics underground de Robert Crumb e alguns outros ( Gilbert Shelton) e franceses como Masse. Na imagem à esquerda, em baixo, aparece como colaborador da revista um certo Bernard Kouchner...
Não obstante, em Março de 1974, Giraud ainda desenha um poster para o primeiro número da revista Lucky Luke, dirigida por René Goscinny. O tema é John Wayne e o desenho é copiado de uma foto de Rio Bravo. Segundo Giraud, Goscinny gostou e no segundo número, o caldo entornou-se porque o desenho glosava o filme My Darling Clementine e Henry Fonda ficava atrás do personagem de segundo plano ( que também fazia de coxo
A Métal Hurlant surgiu neste caldo de cultura e as duas imagens que seguem são simbólicas dessas duas facetas da banda desenhada da época, a oscilar entre a adolescência e o mundo dos adultos que a retardam.
As imagens são todas de arquivo, excepto a imagem da Actuel de Março de 1974, tirada da Rede.
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