quinta-feira, 31 de março de 2011

As revistas brasileiras


No início dos anos setenta, as revistas brasileiras que apareciam por cá eram muitas. E bem feitas, com papel de lustro, a cores e fundamentalmente imitações do que melhor se fazia nos EUA.

Em 1970, talvez em Setembro, comprei a minha primeira Selecções do Reader´s Digest, tradução brasileira da edição original, americana. ( imagem em baixo no meio). Porém, tal poderia ter acontecido antes, em Outubro de 1969, porque conservo um número dessa altura. Já não consigo lembrar a data exacta.

As Selecções eram uma maneira de aceder a diversas leituras em contos, crónicas e pequenos livros condensados na parte final da revista. Nesse primeiro número vinha a segunda parte do "espião que mudou de ideia", numa clara alusão ao tema dominante: a propaganda clara do modelo americano em contraposição ao modelo comunista que a revista desfazia sempre que se proporcionava oportunidade para tal e que era em todos os números.

A descoberta da revista, todos os meses no quiosque da rua de S. Vítor, em Braga ( ainda lá está e basicamente com o mesmo aspecto de há quarenta anos) era uma alegria. Isso e ver o novo número da Mundo da Canção ou da Flama.
A par dessas havia as outras brasileiras. As fotonovelas Capricho, por exemplo e com muita saída nas adolescentes e não só. E depois o resto: Manchete, Cruzeiro, Realidade, uma revista bem cuidada e semelhante à Look americana ou à Paris Match francesa. Ou à Stern alemã.
O primeiro número da Realidade que comprei, em Junho de 1973 e que custava 15$00 tratava de diversos assuntos. No entanto o que me levou a comprar foi uma espécie de encarte em papel havana, com uma história dos índios americanos escrita por Dee Brown. que na altura nem fazia ideia quem era mas agora é possível graças à internet. E trazia ainda um artigo desenvolvido e profusamente ilustrado sobre "o que há de novo na URSS?".

E o artigo de fundo era sobre...o pecado, hoje. E este número tem uma particularidade: tem o primeiro autógrafo que jamais pedi a alguém ( agora há um outro a quem pedi, José Almada): o de António Vitorino de Almeida. Logo depois de comprar a revista encontrei-o na rua e como era espectador atento dos seus magníficos programas de tv, abordei-o e pedi-lhe um autógrafo que o mesmo me deu ali mesmo na última página da revista, a esferográfica azul.

O número de Agosto tinha um artigo muito desenvolvido sobre Hitler, condensado de um livro escrito pelo biógrafo Werner Maser da Der Spiegel e que retrata um Hitler diferente do habitual ogre que era então apresentado a consumo público. Além disso e motivo da compra, um lote das melhores fotografias do século, recolhidas pela Associated Press em álbum com 135 fotos. A Realidade publicou 73. Lá vem a imolação de um budista, pelo fogo, em 1963; a morte em directo de Lee Harvey Osvald; o tiro na cabeça de um um vietcong, à queima-roupa, pelo chefe da polícia de Saigon; o primeiro passeio lunar e muitas outras.

Antes dessa, já conhecia a Cruzeiro e a Manchete, particularmente na época de Carnaval, altura em que a revista esgotava nos quiosques. As fotos eram demais e a espectaculiridade do evento justificava-se. Estes números que aqui ficam são de 1974 e um de 1975. O de Maio de 1974 é de antologia porque tem fotos que nunca apareceram na nossa imprensa, particularmente uma do Largo do Carmo na altura da rendição de Caetano, com pessoas a treparem para as pequenas árvores então existentes no local ( actualmente umas vetustas árvores) e incluindo uma, a preto e branco, de Sousa Tavares ( pai) de megafone em punho empoleirado numa guarita dos guardas a falar para a pequena multidão que ali se juntou e enchia por completo o pequeno largo. As fotos retratam o modo como os brasileiros viam a nossa Revolução de Abril e são de antologia. Lembro-me muito bem de ter querido comprar esta revista na época e já não ter conseguido porque no quiosque onde comprava estava já "reservada". Foi uma pequena frustração que passados muitos anos aliviei porque a comprei num alfarrabista que nem sabia o que estava ali. Há uma foto que nunca foi vista por cá, da rua das Gáveas em que uma camioneta de distribuição do jornal Época estava virada, bem como dois ou três carros de polícia.

E conhecia também a revista História cujo primeiro número saiu em Maio de 1973 ( em baixo e no meio) com um artigo sobre a infância de Stalin ("filho de sapateiro, aluno de padres, nunca confiou em ninguém") e outros sobre Dostoievski e mais outro sobre Richelieu.

A par dessa havia ainda outra revista que saía e se chamava Enciclopédia Bloch ( a editora, a mesma da Manchete. A editora da Realidade era a Abril). O número apresentado, de Fevereiro de 1972 e que custou 20$00, tinha uma reportagem fantástica sobre a Linha Maginot e outro extenso, sobre Israel, quatro mil anos de história.

A par dessas havia ainda a Planeta, da Editora Três e sobre assuntos mais esotéricos que então me interessavam por ter lido O despertar dos mágicos de Jacques Bergier. A Planeta tinha o mesmo formato gráfico que a original francesa, Planète que se publicara desde 1961 a 1968. O número apresentado é de Outubro de 1973 e tem um artigo sobre Gurdjieff, um grego da Arménia com fama de santo, mago e profeta.
Até 1974 e a par do Tintin, do Jornal do Cuto e das leituras da tira de Corrigan no JN, eram essas algumas das revistas, neste caso brasileiras, que me alentavam o espírito.

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