quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Discos sem tempo esquecidos no tempo

Na música popular portuguesa, há certos discos que por uma razão ou outra nunca foram reeditados, ou perderam a validade para a memória musical do tempo corrente.

No final dos anos sessenta, já havia grupos e cantores de música popular em Portugal, suficientemente capazes de concitar a admiração pela qualidade das músicas e ainda das letras.

Durante muitos anos, a música popular, reduziu-se ao fado e ao folclore, e a grupos que aí se inspiraram. Um dos mais importantes, foi, sem dúvida, o conjunto António Mafra, com uma série de êxitos, saídos directamente da inspiração da música popular de raiz folclórica, das chulas, viras e marchas das festas populares. Se juntarmos o conjunto Maria Albertina a esse lote, ainda podemos associar o Trio Odemira e outros que vendiam singles e cassetes quando elas apareceram em massa, no início dos anos setenta.

Também nessa época, surgiu no panorama musical, outro tipo de grupos e outro tipo de música que se inspirava directamente no que vinha lá de fora da Inglaterra e da América.

O Conjunto Académico João Paulo e o Quarteto 1111 de José Cid, foram grupos inovadores, assim como o foi, a maior revelação de finais dos sessenta, a Filarmónica Fraude, de António Pinho e Luís Linhares.

Nessa altura, apareceram ainda os cantores de intervenção, designados como baladeiros que trouxeram a renovação da qualidade musical ao panorama incipiente dos anos anteriores.

Alguns desses baladeiros, com destaque para Manuel Freire, padre Fanhais, José Barata Moura, etc. marcaram algumas canções emblemáticas dessa época, como também o fizeram José Afonso, José Mário Branco e Fausto.

Algumas músicas, discos e canções ficaram, porém, esquecidas, não tendo saído do tempo em que foram publicadas. Nunca foram reeditadas em cd, nem se apanha traço delas em colectâneas ou recolhas avulsas.

Estão neste caso, os singles de Duarte & Ciríaco, de finais de 1969, com destaque para a canção popular da Beira Alta, Chária. Ninguém mais ouviu tocar e cantar A plaina corre ligeira, Chária, Chária, Chária, oh!

Assim, como nunca mais se ouviu Luís Cília, nas primeiras canções e a canção da Filarmónica Fraude, Animais de estimação, não se encontra facilmente.

Não é possível ouvir as primeiras canções de Fausto, nomeadamente Oh Pastor que choras, com poema de José Gomes Ferreira, ou Chora, amigo, Chora. Como não é possível ouvir as Novas Canções de Nuno Filipe ou Teresa Paula Brito, em Minha Senhora de Mim.












Dentre estas raridades que apenas é possível captar o som, no vinil original, e se for encontrado, destacam-se duas ou três obras fundamentais, inclassificáveis e que permanecem actualíssimas na sua qualidade intrínseca de música popular portuguesa.

A primeira, é um single de António Macedo, de início de 1970, intitulado Erguer a voz e cantar e que apesar de tudo aparece num cd de colectânea chamado Manhã Clara, a palavra e a música de Abril de 74, editado recentemente:

Erguer a voz e cantar

É força de quem é novo

Viver sempre a esperar

Fraqueza de quem é povo.

E a seguir, o estribilho:

Canta, canta amigo canta

Vem cantar a nossa canção

Tu sozinho não és nada

Juntos temos o mundo na mão.

Da mesma data e com relevo impressionante que só espanta em como nunca se recuperou em disco, mesmo cd, existe a música de Luís Rego, em Amor Novo, com letra de Maria Flávia. O single, gravado pela Vogue francesa, justifica-se porque Luís Rego, na época já se encontrava emigrado em França e fazia parte do grupo Les Charlots.
A canção, porém, é das melhores de sempre de toda a música popular portuguesa.












Ainda da mesma época, o single de Fausto Oh pastor que choras, é um lamento que nunca foi escutado em cd. Raridade absoluta, jazia há um par de anos num antiquário de Coimbra, que o vendeu por meia dúzia de euros.

Finalmente, mas não em último lugar no interesse, uma disco LP inteiro, sem excepção em nenhuma música. Nunca foi reeditado e apenas foi dado a conhecer em lugares de culto como este










Em 1970, a etiqueta Zip Zip publicou Homenagem, de José Almada, então com vinte anos.

O disco é de uma sobriedade e riqueza tal, na sua simplicidade, que representa para mim, um dos píncaros da música popular portuguesa. As letras exploram uma faceta da vida social, relacionada com um despojamento total que emparelha muito bem com os temas com que intercala: a morte nua e crua, realidade dos tempos de sempre.

E afinal, venho a saber que José Almada é vimaranense, terá hoje 56 anos e chama-se José de Almada Guedes Machado. No blog da cantiga que foi uma arma, pergunta-se: por onde andas, José?

Imagens: da revista Mundo da Canção e das capas dos singles originais e ainda do blog ratorecords

12 comentários:

LPA disse...

é uma delícia ler estas coisas. neste momento tenho em mãos alguns projectos relacionados com a música portuguesa dos anos 60, pelo que me encontro diariamente com informação de então. as coisas que eu tenho encontrado. já consegui reconstituir, por exemplo, os três grandes concursos que houve em Portugual: o do "rei do twist" (1963), o do "conjunto tipo shadows" (também 1963) e o "yé-yé" (1965/66). nesses anos dourados, houve milhares e milhares de "conjuntos", mas muito poucos gravaram. é uma pena. tenho algumas das coisas de que falas aqui. posso mandar capas, ficheiros. também estou numa fase de adquirir EPs dos "conjuntos portugueses", mas a tarefa não é fácil. sheiks, ekos, conjunto mistério, titãs, claves, jets, daniel bacelar, josé jorge letria. uma boa notícia: soube que a reedição em CD do primeiro álbum do Fausto é uma hipótese! O Luiz Rego esteve nos Charlots e também nos Problème que aliás gravaram "Ballade à Luiz Rego, Prisonnier Politique". Ouve lá, onde foste arranjar a contracapa do José Almada? tenho uma parecida.

LPA

josé disse...

Arranjei-o no ratorecords.blog...onde também baixei o mp3 do disco que me parece de facto uma pequena maravilha.
E julgo que o Rato foi buscá-lo aqui
Quer dizer, passou o disco original para cd...
No sítio que indico, pode ouvir-se uma pequena amostra do trabalho de transcrição do som LP para o cd. Por exemplo, no disco de Don MacLean Vincent. O autor apresenta-o como uma melhoria e não acho que assim seja, porque o som do LP, mesmo nessa amostra, é melhor do que o do cd.

Também tenho a contracapa do disco original que só não copiei porque o scanner não o apanha integralmente.
O disco original ainda assim, não tem os bónus que sairam com o Mendigo.

Quanto às novidades que apresentas, venham elas para a praça pública.
Tomara eu ter tempo para andar por aí a recolher coisas de que me lembro. Fá-lo-ia de bom gosto e sempre com melhor vontade do que aquilo que faço. E gosto do que faço.

LPA disse...

OK, está explicado. andamos todos ao mesmo. sei onde o rato fez isso.

tks!

LPA

josé disse...

LPA:

Onde pode buscar informação interessante sobre o assunto a que se vai dedicando, talvez seja em duas revistas:

a Nova Antena e a R&T. Ambas, dedicavam muito espaço à música pimba, então crismada de nacional-cançonetismo, pelo João Paulo Guerra.
António Calvário e as guerras de fãs, com outros, eram o must dessa época.

LPA disse...

Tenho consultado a Plateia, Flama, Diário Popular, R&T, Antena, Álbum da Canção, Magazine e vou ver outras, claro. Felizmente que na altura não era abundante o número de revistas sobre música. Tem sido fascinante e supreendente esta consulta. A maior (gigantesca) surpresa foi ter descoberto que eu próprio escrevi em 1966 cartas para a R&T. Nem me lembrava (nem me lembro) disso. Cartas sobre os Beatles, o Grande Prémio do Disco e programas de "yé-yé" na Televisão. Nem queria acreditar no que estava a ver... Tinha uns 18 aninhos...

LPA

josé disse...

A Crónica Feminina, por exemplo, é um maná. Em Coimbra, no mesmo alfarrabista onde encontrei o single do Fausto, há dúzias delas, dos anos sessenta.
A Plateia, claro. E também fotonovelas que traziam artigos apensos.

É um mundo, de facto.

LPA disse...

Nasci e vivi em Coimbra até 1965, se bem me lembro. Foi aí que ouvi pela primeira vez e comecei a gostar dos Beatles. No Bairro Marechal Carmona. Ia à Baixa com o meu amigo Vítor Soares gamar os discos e aos sábados íamos confessar no Seminário, mas não devolvíamos os discos. Ainda guardo muitos desses discos gamados. Ah! E só tenho um clube: a minha amada Briosa! A Crónica Feminina também tinha informação sobre música' Já não me lembro. Só nos podemos fiar na informação escrita. Ainda hoje falei com um fotógrafo algarvio que fotografou Paul e Linda no Algarve em 1969 e ele não só não se lembra de nada como não tem quaisquer negativos ou fotografias disso. Dá para acreditar?

LPA

LPA disse...

"Também um duo se formou na vestuta (sic) cidade do Mondego. Duarte Brás, de 25anos, aluno do 5º ano de Direito, e Ciríaco Martins, de 21, aluno do 3º ano de Química, são dois açorianos que formaram há alguns meses "Os Folkers". Como o próprio nome indica, começaram pela "folk music" de raiz anglo-americana. Um dia, vieram à Televisão, para participar num sarau académico. Sofreram críticas. "É pena que estes rapazes, cantando tão bem, cantem em inglês e não em português". E a crítica entrou-lhes por um ouvido, mas não lhes saiu pelo outro. Começaram a compôr as suas próprias músicas, inspirando-se sobretudo no folclore alentejano.
"Porquê folclore alentejano?
"porque se trata duma música lenta, que permite chamar a atenção para a poesia.
"A poesia são eles que a realizam também ou escolhem-na de autores já consagrados. Que pretendem com ela?
"Não propriamente protestar, mas chamar a atenção das pessoas para certos defeitos que todos nós temos, como sejam o comodismo, o egoísmo, a indiferença das pessoas e muitos outros, e levar cada uma a pensar sobre eles. É isso fundamentalmente o que pretendemos conseguir daqueles que nos ouvem.
"Chamando a atenção das pessoas para determinados defeitos seus, "Os Folkers" sentem que estão a cumprir a sua missão na sociedade, como jovens.
"A juventude deve melhorar a sociedade e deve ser ouvida - afirmaram.
"Eles querem fazer-se ouvir através do que cantam, o que, na sua opinião, é um "derivativo secundário", pois querem licenciar-se.
"Apesar disso, têm as suas ambições na música:
"Gostaríamos de voltar à TV e gravar um disco".

in "Flama", 03JAN69

Edward Soja disse...

Eia, obrigado pelos comentários, caro José. Vou vir cá mais vezes.

Eu tenho (claro, são do meu pai, mas, como alguém já escreveu, "faço questão de reivindicá-las também para mim") essas revistas do MC. Muita informação lá tem. Podia ter mais, mas... já as conheço de trás prà frente. Foram a minha primeira formação musical. Daí um moço de 25 anos gostar de Moody Blues e de muitas coisas que já existiam e doutras que se lhe seguiram.

Mas eu a pensar que aquela capa era do primeiro álbum do Fausto... Até a digitalizei e a pus aqui: http://rateyourmusic.com/release/album/fausto/fausto/
Mas parece que ninguém tem esse lp...

E o senhor LPA ouviu dizer que o referido álbum pode vir a ser lançado em cd em que sítio?

Eu tenho vindo a dizer isso (não o disse em muitos sítios), porque cheguei a ler no Blitz de há uns bons meses (talvez mais três anos!) que andavam a procurar quem o tivesse para o digitalizar directamente do vinil e assim proceder a uma edição em formato mini-plástico (eheh).

Bem, passarei por cá mais vezes, como já disse. Não são assim tantos os blogues que visito. Só os que valem a pena.

MARIA disse...

Olá JOSE :
Eu também continuo a visitar este espaço, impressionando-me sempre com tudo o que nele se contem e enriquecendo com ele os meus conhecimentos.
Desejo-lhe um bom domingo.
Maria

Muleta disse...

tenho esse disco do luis rego. é em estereo, uma raridade na época.
o erguer a voz e cantar do antonio macedo é da poetisa helia correia, tanto quanto me lembro.
o antonio macedo desapareceu da circulaçao depois da gravaçao do casamento da menina manuela. Tenho a ideia de ainda o ter visto num espectaculo pós-25 de abril, mas nao tenho a certeza.
ps-vi esta entrada noutro blog, no grande queijo limiano...

JPCManso disse...

Possuo o disco, todo riscado, do Luis Rego (Amor Novo/Quadras Soltas) desde os meus 10 anos de idade e ainda hoje ouço o Amor Novo como se tivesse sido gravado neste século - A sonoridade (baixo, percussão e viola) estava muito avançada para a época, fazendo lembrar os 'Kinks' (Mr. Big) ou os 'The Who' (Behind Blue Eyes). Claro que estes últimos existem em CD, assim como alguns 'extraordinários' da música portuguesa.Em jeito de conclusão, 'Amor Novo' é, na minha opinião, uma das melhores músicas que algum Português jamais produziu - O que eu chamo uma música com um bom começo (a entrada de viola), meio (o poema) e o fim (simplesmente original). Pena é de não conseguir o single em bom estado e tratá-lo com o Adobe Audition de forma a ficar como um CD.