Ouvir música no rádio, nos anos setenta e ainda em parte dos oitenta, trazia algumas vantagens. Uma delas, era a possibilidade de sermos surpreendidos por sons desconhecidos até ao momento. Pequenas passagens sonoras, frases musicadas em instrumentos particulares que atingiam o ouvido interno de modo perene.
Uma das descobertas mais interessantes dessa época, foi o jazz tocado em fusão com o ritmo de rock ou a atitude do rock n´roll.
Os discos e música jazz, raramente me conduziam à atenção aos sons. O predomínio do sax ou de outros instrumentos de sopro, ondulado em frequência modulada, deixavam-me indiferente. Miles Davis ou Charlie Parker, nunca lograram mostrar-me sonoramente, paisagens de lirismo ou de embalo, suficientes para me convencerem a escutar os seus discos. Num ou noutro passo, prestei alguma atenção a marimbas ou vibrafones, instrumentos de percussão rápida e também com assento em alguns grupos de rock, por exemplo nos de Frank Zappa.
A fusão do ritmo jazzístico com as batidas de rock, tiveram em Zappa um dos seus cultores de vulto, com o disco Hot Rats, muito badalado, quando saiu em finais de 1969. Gravado em 16 pistas, quando o corrente eram as oito da praxe, Hot Rats tornou-se um clássico merecido, do rock fundido com as entoações jazzísticas. Outros que nunca se esqueceram de misturar sonoridades de metais soprados, com ritmos de bateria e guitarras, bem tocadas, foram os Chicago, logo no começo, no início da década de setenta.
Não obstante, foi apenas no final desses setenta que o interesse nesse tipo de sons, me conduziu a ouvir com atenção certos grupos e compositores.
Quando em 1975, apareceu o LP Journey to Love, de Stanley Clarke, um baixista que fraseava o trecho de abertura, Silly Putty, encadeando-o com solos de guitarra de Jeff Beck, a chama que alimenta paixões instalou-se. Antes, tinha havido lampejos de música de fusão, com os Mahavishnu de John McLaughlin, sempre incensados na revista francesa Rock & Folk, mas o clic, deu-se com Stanley Clarke, porque Journey to love, é um disco maior, principalmente ouvido em LP ( mesmo prensado pela Rádio Triunfo). E onde aliás, participa o mesmo McLaughlin, a tocar guitarra acústica, acompanhado ainda de outro ás do rock no jazz, Chick Corea, em piano acústico, numa composição belíssima de inteiro tacto acústico, intitulada precisamente Song to John, dedicada a John Coltrane.
Esta sonoridade subtil de Stanley Clarke, levou-me a querer entender mais do jazz declinado em atitude rock, o que me conduziu a Larry Coryell, de The restful Mind, com pérolas sonoras inclassificáveis; Terje Rypdal, com What Comes After e aos discos alemães da ECM, com destaque para os de Pat Metheny.
Antes, porém, fruto de audições de rádio espanhola, com indicativos musicados e sem palavras, ouvi três discos de Spyro Gyra, bem destacados da sonoridade etérea e de flautas e oboés, de Terje Rypdal.
Os discos da Spyro Gyra, todos batidos a instrumentais, em metais e ritmo funky, dos anos oitenta, ostentavam títulos como Sripes ( de Incognito, de 82) com harmónica tocada por Toots Thielman e baixo de Marcus Miller, com bateria de Steve Gadd ou Foxtrot, do LP Carnival de 1980.
Esses temas, serviam para separar músicas de outros modos e tocavam por vezes em contínuo em emissões totalmente instrumentais, como por exemplo, na Semana Santa, da Rádio Renascença que passava sempre continuadamente, música instrumental, muitas vezes de fusão e jazz rock.
Serviam ainda para experimentações de novos instrumentos como o Lyricon ( uma espécie de sintetizador de saxofone), utilizado no LP Incognito dos Spyro Gyra, pelo saxofonista Tom Scott, tendo sido usado pelos Weather Report, precisamente em Black Market, no tema Three Clowns.
O Weather Report, nos seus discos dos anos setenta e oitenta, dava sempre bom tempo. Com Wayne Shorter, a soprar saxofones ( e tem um disco de 1975, com Milton Nascimento, intitulado Native Dancer), Jaco Pastorius, no baixo sem trastes, sempre num jogo de brilhante deslize sonoro, os Weather Report, eram liderados pelo austríaco Zawinul, mestre dos teclados, falecido no ano passado.
O disco Black Market, seguia-se a Heavy Weather, tendo outros de valor idêntico. Jaco Pastorius, também já falecido, é autor de dois discos a solo, notáveis e colaborou depois com Pat Metheny e Joni Mitchell, num disco ao vivo ( Shadows and Light), após Hejira, dos anos setenta.
Na sequência destas sonoridades híbridas, produzidas em estúdios de músicos seleccionados pela categoria profissional de nunca errarem nas notas das partituras que lhes colocam à frente ou com parâmetros pré-definidos, acabei por esbarrar num música de guitarra ligeira, com músicas cativantes ao ouvido: Earl Klugh. Primeiro, Um Lp de 1983, Low Ride, com o tema de abertura Back in Central Park, numa batida caribenha e depois noutros temas como Lp de 1984, Wishful Thinking é a quintessência deste estilo fusionista, inclinado para a ligeireza sonora. Sem grandes nomes ( o saxofonista David Sanborn, aparece num tema,e Eric Gale noutro), o disco baseia-se em temas de guitarra de recorte fácil mas eficaz na audição repetida. O tema Tropical Legs, vale quase, quase, um outro qualquer de Stanley Clarke, mesmo com John Mclaughlin. Ligeiro qb, conserva um lirismo único na sua simplicidade quase pimba. O tema The only one for me, tem quase o mesmo efeito e foi isso que me levou a procurar, em Espanha o disco que por cá nem havia, ainda com títulos traduzidos em espanhol, na rodela negra. Wishful Thinking torna-se assim num Pensamiento de deseo…
Em consonância com estes ritmos, aparece naturalmente, Larry Carlton, no LP de 1980, Strikes Twice. O tema Midnight Parade, com riffs de Gibson 335, é de paragem obrigatória.
Em
Nesta onda, foi fácil chegar a Bob James e a David Sanborn, em 1986, com o LP Double Vision. Com a dupla rítmica Marcus Miller e Steve Gadd, o disco contém algumas boas músicas do género, com uma gravação cuidada e permitiu ainda a introdução a…Al Jarreau. O LP homónimo de 1983, é uma obra prima do canto em jazz rock e fusão.
E foi nesta revoada de sons de fusão, ligeiros na sua maior parte que aportei a um porto seguro de qualidade sonora impressionante: Pat Metheny. O primeiro assomo, foi com As Falls Wichita, So falls Wichita Falls. Mas a história tem capítulo próprio. Contada um dia destes.
2 comentários:
Muito interessante como sempre a sua abordagem ao tema.
Criou certamente uma ideia própria e muito original para classificar o que chama de " sons de fusão " entre o jazz , o rock e outros.
O jazz também não é a minha tendência musical preferida , mas confesso que não resisto de todo ao som de um saxofone bem tocado.
Tem uma musicalidade meio felina que nunca me deixa indiferente a alma .
Um beijinho amigo
Maria
Eu tinha (acho que ainda tenho) o LP do Larry Coryell, de The restful Mind... Realmente é uma daquelas milhares de sétimas maravilhas da época... Reouvi uns meses atrás sob a forma de MP3-Emule: continua divino. Concordo contigo... Parabéns pelo Blog
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