quarta-feira, 11 de julho de 2007

A história revisitada da descoberta dos sons agradáveis ao ouvido

O ano de 1972, pode ser considerado charneira na tomada de consciência do valor musical do rock elaborado e até progressivo que então ouvia essencialmente pelo rádio, em programas como a Página 1, apresentado então por José Manuel Nunes, salvo o erro.

Às sonoridades festivaleiras e de pendor mais pop, seguiram-se outros sons de intensidade mais frequente, ouvidos no rádio. Cat Stevens, com Wild World, era um hit saído em finais de 1970 e que perdurou até agora. No Carnaval de 1971, até tentei a cantiguinha enquanto manejava as baquetas de uma bateria Yamaha. Para acompanhar a letra, escrevi-a num pequeno papel que colei num dos tontons do kit…

Contudo, o grande grupo da época desses anos, eram os Creedence Clearwater Revival. Proud Mary e Have you ever seen the rain, foram hits que nunca mais se esqueceram.

Até que chegaram os elementos a solo dos Crosby Stills Nash & Young. Em 1972, Stephen Stills publicou Manassas e a música popular, para mim, nunca mais foi a mesma, porque a descoberta da sonoridade acústica misturada com o som híbrido da pedal steel guitar, fez uma combinação de habituação sonora, com efeitos permanentes e duradouros.

Para consolidar a obsessão, Graham Nash juntou-se a David Crosby e ambos lançaram um Lp em 1972 que começava com uma harmónica a arrastar o som de Southbound train, uma das canções de sempre do meu compêndio particular de música popular.

Mais uma vez, a sonoridade fica a dever tudo à harmónica e à guitarra em pedal steel ( tocada, tal como em Déjà vu, por Jerry Garcia dos Grateful Dead) e ainda, claro, à melodia cantada em harmonia vocal pelos dois músicos. O disco, dos primeiros que me lembro de reparar nos escaparates das discotecas com vontade de ter, ( um outro foi Let it Be dos Beatles, em edição de luxo, com caixa de encarte)andou perdido desde esse época, até finais dos anos noventa, quando foi reeditado por ocasião dos 50 anos da etiqueta Atlantic, em 1998.

Com o Lp Harvest, de Neil Young, a revolução interior avançou e chegou a Chicago de Graham Nash, volteando novamente à sonoridade colectiva de Déjà Vu, anterior e pouco escutado. Manassas de Stephen Stills tinha Colorado e What to do, que a Página Um passava incessantemente. Como passava logo a seguir, Convention do mesmo Elton John, e Pare, escute e olhe, de José Jorge Letria ou Fearless dos Pink Floyd ou ainda Pedro Só de Manuel Freire. Era esse, o cardápio musical dos fins de tarde no rádio da época.

E ainda faltavam as cerejas no bolo: primeiro A horse with no name, dos America e depois, acima de todos, American Pie, de Don McLean, saído nesse ano, resumia em poucos minutos, a história codificada da música rock dos primórdios e Vincent, dedicado a Van Gogh, iluminava de cor sonora os dias nostálgicos.

Mas esses pequenos bonbons musicais, eram apenas os aperitivos para dois dos melhores discos de música country rock que apareceram até hoje: Manassas e Harvest, complementados pela música em single do álbum de Nash e Crosby, Southbound Train, uma música fetiche e do meu gosto particular.

O Lp de Neil Young, aparecido nesse mesmo ano, confirmou a tendência mantida ao longo dos anos: se há música preferida para audição prolongada, é o country rock e uma dúzia de Lp´s que contam, quase todos da primeira metade dos setenta.

Ainda não conhecia os Byrds, na plenitude inovadora de Sweetheart of Rodeo, saído em tempo de descoberta restrita, lá nos confins de 1968.Ainda nem conhecia Gram Parsons, Roger McGuinn ou Chris Hillman, menos ainda os Dillards ou Doc Watson, mas o som de Manassas deve-lhes quase tudo e com um intervalo inovador de cinco anos.

Logo nesse ano de 1972, apareceram os Eagles. Embora sem manifesto discográfico, audível em Portugal, a divulgação dos primeiros discos, apesar disso, não passaria a metade da década, ajudada pelo disco mais vendido da história da música popular: Greatest Hits dos Eagles, saído em 1976, e que já terá vendido quase trinta milhões de cópias.

O locutor-apresentador Jaime Fernandes,na Rádio Comercial, encarregar-se-ia de passar no rádio, o som de Desperado, até que em finais de 1976, estourou Hotel California e o som do FM nunca mais se ouviu de igual modo. A New Kid in town, in fact. Junto com os Eagles, apareceram outros: Jackson Browne, Leo Kottke, Hoyt Axton, até mesmo Don Williams e Linda Rondstadt.

Na transição para os anos seguintes a 72, apareceram dois discos ouvidos em discoteca seleccionada e em alta fidelidade: Grand Hotel dos Procol Harum e Seventh Sojourn, dos Moody Blues.

Em 1973, saiu outro LP esquecido e que só merece a audição de uma suite sonora: California saga, dos Beach Boys, em Holland, foi ouvido algumas vezes na rádio e nunca mais foi esquecido durante as décadas que se seguiram. Música de cabeceira e de country rock, com harmonias vocais, de sempre e para sempre. Ainda por cima, sobre a ecologia. Entre esse tema dos Beach Boys e os temas de Dark Side of the moon, dos Pink Floyd, saído nesse mesmo ano, a diferença reside na melodia que ficou em memória residente. Como ficou Angie, dos Rolling Stones.

Mas… falta um dos grandes: Bob Dylan. Em 1973, Bob Dylan publicava um disco de banda sonora, Pat Garret & Billy the Kid, sem história para além do título tema. Porém, foi esse tema que fez retomar um interesse difuso na música de Bob Dylan, já escutada em temas clássicos, com dimensão mitificada, mas ainda sem obsessão pela novidade. Em 1971, Dylan participara num evento no Madison Square Garden, promovido por George Harrison, o Concerto para o Bangladesh, onde tocou uma versão espantosa de Just Like a woman, para além de outros clássicos. Além dessa publicação, foi ainda em 1971 que saiu um single, desgarrado de álbum, intitulado George Jackson e que retomava a antiga canção de protesto à esquerda e contra o sistema de justiça americano.

No entanto, é com a banda sonora daquele filme que me lembro de ter reparado pela primeira vez numa revista, francesa, dedicada à música popular: Rock & Folk, cuja capa de Setembro de 1973, trazia uma imagem de Dylan no filme. A imagem da capa é de antologia e durante décadas, povoou a minha imaginação musical dedicada a Dylan. Ouvir Knocking on heaven´s door, é ver essa capa e a sonoridade ligeiramente country, ligava muito bem com a dos Crosby Stills, Nash & Young, cujo tema de luxo – Teach your children- voltava a ouvir esporadicamente e conduzia a memória para uma sonoridade típica de uma guitarra escorregadia e de som ondulante. No início de 1974, saiu o disco de Graham Nash, Wild tales, cuja audição, a par com outro Lp da mesma altura – Somedays you eat the beer and somedays the beer eats you, do inglês Ian Matthews- reconduziram o gosto musical para o country rock e a música acústica ritmada.

Toda essa música de referência, nesse tempo, continha o instrumento que acima de todos, concitava a minha atenção. Não o sabia ainda na altura, mas esse tipo de guitarra que se toca sentado e com ajuda de uma dedeira metálica, utilizando os pés, para estender o som de modo ondulante, marcou toda a música norte americana de raiz country. A pedal steel guitar, tocada em Teach your children, é de Jerry Garcia, uma primícia deste músico dos Grateful Dead. A pedal steel de Ian Matthews, em Keep on sailing…é de B.J. Coles. A de Manassas, de Stephen Stills, pertence por direito próprio, a Al Perkins e a dos Eagles, também por direito próprio, é da responsabilidade de Bernie Leadon. Falta ainda alguns dos maiores tocadores de pedal steel: Sneaky Pete Kleinow que tocou com os Byrds, Gram Parsons e os Flying Burrito Brothers e ainda os Eagles. E Pete Drake, um veterano que tocou o instrumenro em Rose Garden de Lynn Anderson ( que me conquistou a atenção em 1970) e ainda Lay Lady Lay de Bob Dylan, no LP Nashville Skyline, de 1969 ( e que me conquistou a atenção depois).

O ano de 1974 revelou-se assim como o ano da descoberta de todos esses discos fundamentais que tinham saído e principalmente abriu caminho para gostar dos que viriam a sair durante a década, no género. 1974 é, por isso, o ano de todas as músicas, incluindo a do 25 de Abril.

Bob Dylan, inicou nesse ano uma grande tournée pelos USA ( quase 20 milhões de bilhetes vendidos) , acompanhado pelos The Band e que em meados do ano originou um grande disco ao vivo, Before The Flood, ouvido logo no rádio, na Página Um. O disco é um dos que reconcilia qualquer amador de música popular com as canções de Bob Dylan. A força de interpretação e a personalidade dos músicos de, emprestam uma sonoridade única ao duplo LP.

Além disso, era o LP de Dylan que merecia ser ouvido, depois de vários anos sem produção importante. O disco do ano anterior, Planet Waves, nem sequer foi ouvido. A ideia que restava de Dylan, em 1974, era ainda a de 1971, do concerto do Bangla Desh e do single George Jackson.

Before the Flood foi por isso, uma descoberta do Dylan antigo, de Highway 61 revisited e Blonde on blonde e nunca antes ouvido. Começa logo pelo primeiro tema, com o órgão ondulante de Garth Hudson dos The Band, em Most Likely you go your way e estende-se por quatro faces de vinilo preto, até acabar em Blowin in the wind, com 22 canções para trás. Depois deste disco fiquei preparado para a obra prima do ano seguinte: Blood on the tracks.

O mesmo sucedeu com os Crosby Stills Nash & Young que no Outono estiveram em Wembley a tocar ao vivo, juntamente com os…The Band.

E foi novamente numa capa da revista Rock & Folk que tal acontecimento despertou a atenção. Em Novembro de 1974 comecei a comprar a revista, por causa desse concerto e reportagem alargada sobre os CSN&Y, ilustrada com fotos de Jean Pierre Leloir.

E assim começou, para mim, a aventura de Rock & Folk. Como o número anterior, com a capa consagrada a Jerry Garcia, ainda se encontrava à venda ( por 47$50), foi esse o número seguinte e pelos anos fora, até meados da década de oitenta, foi essa revista a guia principal do gosto musical do pop e do rock.

Nessa mesma época, já existia outra imprensa dedicada ao fenómeno da música popular. A seguir se dará conta disso, começando pela Rolling Stone, seguindo pela Crawdaddy e outros New Musical Express e até a Pop alemã.

2 comentários:

MARIA disse...

Caro José,
A descuberta desta página é para o leitor passaporte de entrada num espaço cultural mágico, onde o saber se alia à estética, na medida da força e da beleza que caracterizam sempre qualquer escrito seu e o tornam único.
Com toda a calma, vou deleitar-me na leitura deste excepcional blog a que me permitiu o privilégio de aceder.
Muito obrigada.
Um beijinho.
MARIA.

MARIA disse...

Agora noto,

onde na mensagem supra se lê "descuberta", deve ler-se "descoberta". Peço desculpa.

Um beijinho.
Maria