quinta-feira, 22 de maio de 2008

Led Zeppelin


A música de Led Zeppelin, no início dos anos setenta, tornou-se uma espécie de quintessência do rock, com temas como Whole lotta love e Immigrant song, do segundo e terceiro discos e Black Dog do quarto que contém ainda a obra prima Stairway to heaven, uma das canções referência da música rock, nas diversas listas organizadas para o efeito, a par de Layla de Eric Clapton, ou Bohemian Raphsody, dos Queen.

Em 1973, depois de conhecidos pelo ar de rock pesado que os caracterizava, os Led Zeppelin, começaram a passar no rádio, com uma música introduzida em tonalidade acústica e de bom tom. A voz de Robert Plant, juntava-se à guitarra acústica e mandolim, numa composição melódica e de single com boa saída nas vendas. Após a introdução de minuto e meio, surge uma das secções rítmicas mais pesadas do rock, com o baixo de John Paul Jones e a bateria de John Bonham a que só uma boa aparelhagem sonora fazem justiça redonda e profunda.

Ao longo de toda a canção, o som acústico, mistura-se com o mais electrizante deslize da guitarra Gibson Les Paul, de Jimmy Page, até que após uns segundos de coda, no final dos quatro minutos de duração, ouve-se o murmúrio eléctrico final do single, que saiu no mesmo ano que Angie dos Rolling Stones, este, também uma surpresa no estilo habitual do conjunto.

O disco Houses of the Holy, dos Led Zeppelin, de 1973, contém clássicos da música pesada, mas é esse single de leveza segura que os tornou apetecíveis de ouvir, para mim, nesse ano.

Assim, foi com expectativa contida que nos primeiros meses de 1975, surgiram nas ondas de rádio do Página Um, os primeiros acordes, em arabesco dissonante, de Kashmir, do disco Physical Graffiti, entretanto publicado.

Como habitualmente, precedendo a audição, havia a leitura atenta, das críticas ao disco, surgidas na imprensa do género.

Em 7 de Dezembro de 1974, o New Musical Express, publicava um artigo de página inteira, assinado por Nick Kent, no qual o crítico anunciava o interesse de Page em A. Crowley e elaborava um pouco sobre a sede de oculto do guitarrista.

Noutras duas páginas, o mesmo crítico, descorticava o disco Physical Graffiti, faixa a faixa, dando a conhecer a opinião da crítica inglesa da especialidade, sobre o novo magmum opus, em dose dupla, dos Zeppelin. In the light, era a “pièce de resistence” do disco, acompanhada do prato principal Kashmir.

No mês de Fevereiro, a francesa Rock & Folk, transcrevia o artigo crítico do NME e no mês de Abril, Phillipe Manoeuvre ( actual director da revista), fazia ele mesmo a crítica ao disco, em tom de ditirambo habitual, mas desta vez, contextualizado na menção pessoal ao crítico do NME: “ A hora da vingança chegou. Já temos o nosso Led Zeppelin debaixo do braço e Nick Kent passa por imbecil. Então, fazem as pesoas esperar dois anos para isto?”

Duas críticas em paralelo, com relevo para a diferença estilística e de vulto superior no NME e, neste caso, a irrisão da Rock & Folk, na pena de Manoeuvre, um crítico semiótico de leitura divertida e fugido a intelectualidades sociológicas, com ênfase na escrita saltitante da apreciação totalmente subjectiva.

Seja como for, essas duas críticas, lidas na mesma altura, não suplantavam a escuta demorada dos temas do disco que foi um dos mais inportantes de 1975 e cuja capa, recortada em janelinhas, deixava adivinhar uma série de figurinhas, à medida que se deslizava a capa interior do disco. Um efeito estético, já experimentado no terceiro Lp, cujo capa caleidoscópica, rodava sobre si mesma, para mostrar as ilustrações escondidas.

















domingo, 18 de maio de 2008

A crítica da escrítica

O comentador “ Queirosiano”, num apontamento escrito a propósito da crítica da música popular, tanto neste blog, como principalmente, no do ié-ié, indica a “ligeireza” da crítica gaulesa, particularmente dos escribas da Rock & Folk, em contraponto a uma hipotética qualidade superior, na matéria, nas “boas revistas “ dos anglo-saxónicos.

Em primeiro lugar, que boas revistas tinham os anglo-saxónicos, no domínio da crítica discográfica, com dedicação à música popular, nos anos setenta, período crítico em causa?

Conheço poucas: do lado inglês, só conheço, aliás, jornais, com destaque para o New Musical Express e o Melody Maker, semanários da modalidade, num período demasiado rico, para a música rock.

Do outro lado do oceano, na América, vicejavam a Rolling Stone e a Crawdaddy, nesta área específica, com alguma condescendência para a Creem. A Musician, apareceu muito depois, já nos anos oitenta. E as revistas específicas, sobre guitarras ( Guitar Player, em especial) ou sobre jazz ( Downbeat) não contam.

Por isso, é naquelas que encontramos alguns critérios, para a realização crítica, em tom musical.

Para entrarmos nos caminhos ínvios da crítica musical, é preciso falar de música. E como é possível falar de música, pergunta Charles M. Young, no número de Agosto de 1991, da revista Musician, sem escrever acerca dos aparatos da música, sem fazer alguams piruetas semióticas, desconstrutivas e centradas na pessoa dos próprios músicos que a executam?

A música popular, não atinge sofisticação técnica suficiente que obrigue ao estudo de pautas e contrapontos. Muitos músicos, aliás, nem sabem ler pautas e a noção de escalas ou acordes, adveio-lhes pela experiência própria, ouvindo outros músicos que disso nada sabiam : os negros do Mississippi.

Charles M. Young, traz um exemplo à colação: não se deve pedir ao crítico apenas concentração nos aspectos puramente musicais, assim com não se deve esperar de um Tolstoi uma escrita sobre a guerra e a paz, desligando o problema das pessoas que a fazem; ou de um Shakespeare, que deixe o palavreado sobre Hamlet, dedicando a prosa exclusivamente ao assunto da decadência das classes dominantes.

Ainda assim, Young, acha que escrever sobre música é um privilégio. E observar a reacção popular, na criação de alegria nos outros, através da música, confere um retorno idêntico, de satisfação garantida.

Portanto, escrever sobre música, leva poucas notas e muitos apontamentos à margem.

Numa vertente intelectual, um crítico serve-se de referências várias e alusões diversas, para conferir dimensão respeitável a meras opiniões, subjectivas, sobre o assunto que todos podem apreciar e alguns analisar, nas suas componentes.

Para definir de algum modo os termos da crítica musical, popular, em publicações a ela dedicadas, nada melhor do que isolar um músico e ler o que sobre ele e a sua obra escreveram os diversos críticos, de ambos os lados do Atlântico.

Tomemos o caso singular de Neil Young, um músico consensual e ao mesmo tempo respeitado pela crítica e pelo público.

Um dos críticos mais conceitiuados do meio, John Rockwell, do New York Times, definia assim a música de Neil Young, em 1977:

a quintessência do cowboy- hippie, solitário, um romântico indefectível em luta para contruir pontes de si para as mulheres e através destas, para os arquétipos cósmicos do mito e do passado.

Na Enciclopédia Ilustrada do Rock n´Roll, Janet Muslin, escrevia sobre Neil Young: “Com On the Beach de 1974 e Tonight´s n«the night e Zuma, ambos de 1975, a música progressivamente mais rudimentar, pouco mais fez do que reiterar o lado obscuro das suas letras. A sua renúncia ao artifício foi tão absoluta que não lhe deixou espaço tanto para o drama ou para a tensão.”

Em relação a estes dois escritos, verifica-se uma discordância imediata do crítico da Rolling Stone, Paul Nelson, (RS 11.8.1977) outro dos conceituados, que acrescenta, no mesmo passo, contrariando esta asserção opinativa:

Ora bem. Não. A menos que se compreenda a trilogia On the Beach/ Motion Pictures/Ambulance Blues, de On the Beach e Don´t be denied, de Times Fades away, não se poderá escrever de modo inteligente, sobre Neil Young. Mas logo que alguém compreenda estas canções, começa a perceber a possibilidade excitante de que talvez Young seja o primeiro ( e único) pós-romântico do rock n´roll.

Sobre Neil Young, Tony Palmer, no livro All you need is love, escreve…nada, para além de uma pequena legenda numa foto de página, dedicada aliás, aos CSN&Y.

Porém, a comparação das críticas do New Musical Express, e da Rock & Folk, sobre o mesmo disco de finais de 1977, Decade, uma recolha de temas de discos anteriores, permite de alguma forma perceber a diferença entre a crítica anglo-saxónica ( no caso, inglesa) e a francesa.













Este tipo de crítica, como pode classificar-se?

Dave Marsh, um dos crítico mais relevantes, na Rolling Stone, de 16.12.1976, depois de apontar os epígonos da crítica rock americana ( Robert Christgau, Jon Landau, Paul Nelson e o próprio Dave Marsh) escreveu um artigo sobre a “crítica aos críticos”, da música popular, onde dizia que “ pouca crítica rock respeita à música, porque a maioria dos críticos de rock, está menos preocupada com o som do que com a sociologia. Isso pode ter consequências deprimentes. Por exemplo, o sucesso de Springsteen, é definido em termos do seu culto crítico, imaginário punk, ou o seu dramatismo em palco. Raramente, alguém discute o seu uso inventivo da estrutura das canções ( múltiplas pontes, por exemplo) os seus extraordinários efeitos de guitarra ou o poder simples da sua voz. Mas há uma boa razão para isso. A maioria do rock não vale a pena a discussão, excepto como fenómeno, resultado do trabalho num formato restritivo. Mas isso, prejudica a crítica, quanto tudo é visto como um evento e nada como arte.

Ou um grande negócio...

Num livro de 1977, Rock n´Roll is here to pay, ( em português, traduzido pela Caminho, em 1989, como Rock & Indústria) , Steve Chapple e Reebe Garofalo, dedicam algumas páginas a explicar o que era a revista Rolling Stone, um dos epítomes da crítica do rock.

Uma revista, “sem dúvida autónoma”, mas que não poderia ser tão grande e tão poderosa, sem a quantidade de publicidade da indústria da música , que a sustenta. E apontavam a sua ligação óbvia ao poder económico, numa perspectiva crítica ao capitalismo que a revista representava sem qualquer rebuço, mesmo entre os seus melhores escribas ( Hunter S. Thomson).

Um aspecto curioso, relacionado com a revista Rolling Stone e referido no livro Rolling Stone Magazine- the uncensored history, de Robert Draper e do ano de 1990, prende-se com Bruce Springsteen, precisamente.

O crítico Jon Landau, amigo de Jann Wenner, fundador da Rolling Stone, e onde aquele, aliás também colaborava, escreveu num jornal de Boston, o Real Paper, I´ve seen rock n´roll future and its name is Springsteen”.

O disco que saiu com a colaboração de Landau, Born to Run, teve honra de capa simultaneamente, na Time e na Newsweek,... na mesma semana ( 27 Outubro 1975)! Mas não na Rolling Stone ...e a explicação segundo aqueles autores, prende-se com inveja, pura e simples.













A revista Crawdaddy, a primeira revista americana a aparecer no mercado, sobre a música popular, numa perspectiva crítica ( portanto, para além da Billboard e da Cashbox), publicou nessa altura, no número de Outubro de 1975, uma capa, com um desenho estilizado, da cara do artista e o título: a star is born to run. E dez páginas no interior, profusamente ilustradas, em tom laudatório, assinadas por Peter Knobler, precisamente o editor da revista.

A Rolling Stone, nem nesse ano, nem nos seguintes, dedicou uma capa sequer, a Bruce Springsteen. A primeira vez, que Springsteen, fez a capa da R.S. foi em Setembro de 1978, no número 272.

A crónica a Born to Run, apareceu no número de 9.10.1975, assinada por Greil Marcus, outro dos monstros sagrados da crítica, autor de um dos melhores livros sobre a música rock: Mistery Train, de 1975, precisamente.

Na crítica da revista, Greil Marcus, estende num artigo de página inteira, uma análise crítica, exemplar do estilo Rolling Stone.

No outro lado do Atlântico, a Rock & Folk, dedicava a sua abertura de crítica de discos, do número de Novembro de 1975, ao mesmo disco.

Que diferenças se podem capturar, nesta crítica, de meia- página , assinada por François Ducray, um dos peso- pesados da revista e naquelas duas, das revistasa americanas?

Que diferença estilística e de conteúdo se alcança nas duas escríticas?

Só lendo. E lendo, percebe-se logo porque prefiro os franceses a escrever sobre a música americana, do que estes no seu próprio meio. A riqueza de análise, salta para fora do microcosmos da cena americana e das comparações comuns, de Springsteen a Dylan. E as referências a outras paragens, alarga o imaginário crítico, ao escrítico francês.














É esta a principal razão, da minha preferência pela rock-crítica francesa: não ficar a mirar a larga paisagem americana ou a confinar-se ao ambiente do smog inglês.

O resto, delineado a preceito, remete para tudo o que um leitor crítico pode atingir em plano de igualdade com qualquer crítico: o gosto musical estrito e referido às notas das pautas.

A leitura das revistas sobre música popular, como sejam as apontadas, é um todo, em que a "leitura" das imagens, publicidade e arranjo gráfico, dos temas, se conjuga para dar um tom geral à publicação.

As entrevistas aos "artistas", por exemplo, assumem um lugar de relevo nestas publicações e são célebres as entrevistas de Jonathan Cott, da Rolling Stone. A entrevista a Bob Dylan que aquele fez, em 1978, para a R.S. poderia comparar-se com a entrevista de Craig Mcgregor, ao mesmo artista, em Abril de 1978 no New Musical Express, de 22 de Abril desse ano.

Para além das entrevistas, os artigos de fundo, sobre músicos e música, neste caso popular, assumem importância fundamental, quando abrangem géneros musicais ou artistas de relevo certo. Lembro-me dos artigos na Rock & Folk, sobre os Rolling Stones, sobre os Pink Floyd, Sobre os The Who; Steely Dan, Chicago, Cars, e muitos outros. Sobre os Beatles, por exemplo, no número de Novembro de 1976, um número especial e de grande impacto documental, sendo a primeira vez que tive oportunidade de ler algo sobre a obra completa dos Beatles, até então, com uma recensão crítica de todos os seus discos, com o esta que se deixa em imagem.













Em resumo, se fosse escolher qual a revista intelectualmente mais marcante, mas informativa, mas divertida até, no panorama musical do rock e do pop, nunca teria qualquer dúvida em afirmar que essa revista foi a Rock & Folk.

A Rolling Stone, tinha o glamour próprio das grandes americanas. A Crawdaddy, idem.

Porém, os ingleses, com os seus jornaizinhos semanais, embora de grande impacto na cena musical local, apesar de tudo, nunca lograram publicar artigos documentados ou ilustrativos daquilo que no fim de contas, constituia o seu património artístico, no campo da música popular.

Os franceses, encarregaram-se de fazer o trabalho estético por eles. Felizmente. E isso parece-me uma evidência que dispensa demonstrações elaboradas.


segunda-feira, 12 de maio de 2008

Hot Tuna


Primeiro o nome, era logo esquisito. Hot Tuna, soa bem e saberá melhor como comida de restaurante do sul. Mas também soa a música sulista, elitista qb.

Como habitualmente, o nome surgiu antes da música, porque os discos dos Hot Tuna, não tinham curso livre e corrente em Portugal, quando sairam. Em França, sim. E a revista Rock & Folk, dava-lhes o destaque devido, por causa dos dois nomes que compunham no grupo: Jorma Kaukonen e Jack Casady, ambos saídos do Jefferson Airplane, dos anos sessenta e da música que praticavam.

Assim, coloca-se-me uma dúvida acerca do momento preciso, no tempo, em que tomei conhecimento pela primeira vez, dos Hot Tuna e da existência de uma música em modo bluesy, tocada em acústico e eléctrico desfasado pela distorção harmónica de Jorma Kaukonen.

Em Dezembro de 1974, a Rock & Folk, trazia a recensão crítica de Quah, de Jorma Kaukonen, mas na altura, o nome dizia-me tanto como o da crítica ao lado, no caso, Emmanuel Booz. E no entanto, esse disco viria, anos depois, a figurar entre os melhores discos que me foi dado a ouvir, na música popular.

Assim, a primeira exposição solar aos Hot Tuna, deu-se em Novembro de 1975, com um artigo de seis páginas na Rock & Folk. Texto, sem música, porque esta veio muito depois. E ficou a pulga atrás da orelha: o primeiro disco dos Hot Tuna era inteiramente acústico e o segundo, acusticamente eléctrico. Só esta palavra, suscitava toda a atenção: um grupo do sul, a tocar country-blues em modo acústico, era para se ouvir, tendo em atenção que o próprio Jorma declarava à revista que era assim que sabia tocar e que só aprendeu a tocar eléctrico no seio dos Airplane. Uma das canções de Bark, poderia ser dos Hot Tuna: Third week in Chelsea que andei anos a fio para ouvir.

A primeira canção do primeiro álbum, um disco ao vivo saído em 1970, intitulado, Live at the New Orleans House, Berkley, é Hesitation Blues, seguida de outras duas com terminação em blues. O disco, esse, só foi ouvido, na década de noventa, quase vinte anos depois de o ter lido nas páginas da Rock & Folk.

O primeiro disco que comprei, dos Hot Tuna, foi o LP Burgers. De 1972, é considerado um dos discos referênia do country rock. Antes de o arranjar, já ouvira no rádio de António Sérgio, em 1978, o grande disco ao vivo, Double Dose. Uma dose dupla de blues, em aquecimento acústico e em desenvolvimento eléctrico a seguir, abrangendo os temas dos álbuns anteriores e ainda Embryonic Journey, dos Jefferson Airplane.

Possivelmente, foi a passsagem de Double Dose que me ofereceu a oportunidade de ouvir a essência dos Hot Tuna e de ficar à espera dos discos restantes que final tinha saído todos antes desse. Discos míticos, foram reeditados em cd, pela BMG, muito tarde, já nos anos noventa. E nem todos o foram. Double Dose, precisamente, ficou para trás e ainda cortado de temas essencias, por causa do tempo do disco não caber integralmente no formato cd. Um deles, Hoppkorv, foi mesmo reeditado, apenas em 1996. A canção cortada, foi precisamente a que servia de introdução à música dos Hot Tuna, na minha memória: Killing time in Cristal City , com mais de seis minutos e que António Ségio apresentava num tom de voz cava e a lembrar que a dupla dos Hot Tuna, costumava aquecer a audiência, com uma sequência de números acústicos, antes de intoduzir a electricidade incandescente na sonoridade poética dos blues em modo country.

Antes disso, no início dos anos oitenta, tive a sorte de ouvir e gravar do rádio, o disco de 1974, Quah!, não dos Hot Tuna, mas de Jorma Kaukonen a solo, com a participação de Tom Hobson e produzido por Jack Casady.

O disco, durante anos a fio, ficou no ouvido, por causa da beleza especial das músicas, distinta da dos Hot Tuna, e predominantemente acústica, diversificada do habitual blues, mas com incursões do folk, gospel e até havaiana. Desde a introdução, com Genesis, até à conclusão, com Hamar promenade, o disco é um sonho de sons únicos na música popular. Um disco nostálgico antes do tempo, mistura orquestração com a sonoridade das cordas secas e a voz de Kaukonen, numa fantasia sonora que nunca deixou de me encantar. Não conheço outro disco que me provoque o mesmo efeito, ao ouvir que este.

Em finais dos anos oitenta, o LP foi reeditado pela Relix records, reproduzindo a capa original e em 2003, a versão em cd saída na mesma época, foi remasterizada pela RCA, com grande cuidado, ao ponto de se assemelhar à sonoridade do LP, com a vantagem de trazer quatro canções de bóuns, gravadas na mesma altura que as do LP original, ou seja nos anos 1972-74.

Como habitualmente na música de Kaukonen, alguns temas, são de um músico negro, do country-blues, o reverendo Gary Davis, como por excemplo I´ll be allright

. Porém, as composições essenciais do disco, a saber a inicial, Genesis, passando pela belíssima Song for the north Star e pela não menos belas , I´ll let you know before i leave ( instrumental), a etérea Flying Clouds , são de Kaukonen.

Depois de ouvir Double Dose e o acústico Quah, e ainda Burgers, foi-me dada oportunidade de recuperar todos os outros, antes lidos na imprensa musical francesa: Phosphorescent rat, de 1973; America´s Choice, de 1975; Yellow Fever, do mesmo ano, e Hoppkorv, de 1976. De todos, prefiro o primeiro, Phosphorescent rat. Todos, encontram uma excelente compilação no duplo ao vivo, mas na versão LP.

Os temas de luxo dos Hot Tuna, são, por ordem aleatória: Watch the North wind rise ( Hoppkorv); Letter to the north star, Soliloquy for 2 ( Phosphorescent rat); Sleep song e hit single #1 ( America´s Choice); Barrroom cristal ball ( Yellow fever); Hesitation Blues e Death don´t have no mercy ( primeiro); I can´t be satisfied e song for the stainless cymbal ( Hoppkorv); True Religion, Keep on truckin´, ( Burgers). Todo a dose dupla, ao vivo e todo o quah.

Em 1976, o grupo veio a França, ao festival de Nimes, no Verão. Em dois números, o de Setembro e o de Outubro, a Rock & Folk, deu-lhes o destaque da capa e de uma entrevista, na qual voltavam a referir a canção Third Week in Chelsea e a opção pela música acústica.

Nos anos a seguir, Jorma Kaukonen e os Hot Tuna, continuaram a publicar discos, alguns deles ao vivo. Nenhum deles, se aproximou dos publicados até ao final da década de 70.

domingo, 11 de maio de 2008

Reggae


Reggae. Música da Jamaica. Rock partido em batidas sincopadas. Faz agora trinta anos que escutava com toda a atenção e gosto, Kaya, de Bob Marley, talvez o primeiro disco de reggae, a ouvir com interesse inteiro e em modo repetido, na gravação que então fiz do rádio. Talvez o melhor disco de reggae, para mim. Desde a faixa de abertura, Easy Skankin´, até ao final, são dez canções perfeitas de música da Jamaica, feita em Londres.

Mas, o reggae, como ritmo e género musical distinto de outros, já tinha chamado a atenção, alguns anos antes.

Em 1971, Jimmy Cliff, tinha cantado uma versão da canção Wild World, de Cat Stevens, em ritmo reaggae. Foi essa, talvez, a primeira exposição ao ritmo quebrado, mesmo sem perceber a especificidade do requebro.

Em 1972, o mesmo Jimmy Cliff, assinava a banda sonora de The Harder they come, mas essa música excelente passou despercebida, na época.

Só em 1974, com a sonoridade estranha de Ken Boothe, no tema Everything i own, de David Gates dos Bread, voltou a menção explícita ao ritmo sincopado e no ano seguinte, a canção No Woman no cry, de Bob Marley, cantada ao vivo no Lyceum de Londres, era um êxito...pop. Como o foi o disco 461 Ocean Boulevard de Eric Clapton que aproveitou a onda reggae, para lançar I shot the sheriff.

Porém, foi em 1975 que o tipo exacto de canções reggae, despertou atenção, no quase deserto de exemplares originais, disponíveis. Bob Marley, era uma referência, como o era Jimmy Cliff. E foi outra vez, através das revistas que ouvi o som reggae original. Na Rolling Stone de Setembro de 1975, já se falava na explosão reggae.

Por isso, com naturalidade, em 1976, o êxito de Junior Murvin, Police & Thieves, precedeu o estalo da new wave, nos anos seguir. Em 1977, Althia & Donna, cantavam no rádio Uptown Ranking. E de repente, o reggae aparecia em todo o lado, nas músicas de singles, da época.

Elvis Costello, Ian Dury, até os Police. Até os 10 cc, com Dreadlock Holiday. Até os Rolling Stones, com Cherry oh baby, de 1976 ( Black & blue).

Por isso, na primavera de 1978, ouvir Is this love, de Bob Marley, no rádio, já era um prazer conhecido. No anto anterior, passara Jammin e Waiting in vain, do disco Exodus. Em 1978, o disco Kaya, tornou-se o clássico do reggae normalizado.

No final desse ano, outro disco grande de reggae, sairia para o mercado: Bush Doctor de Peter Tosh, com Mick Jagger, e o tema Gotta walk. E com a dupla rítmica que iria marcar a década seguinte, na música popular: Robbie Shakespeare e Lowell Sly Dunbar.

Só à conta desses dois, se ouvem os discos de Dylan dessa época. Por exemplo, Someone gotta hold of my heart, de 1983 que viria a figurar em Infidels, com outro nome ( tight connection ).

Na década de oitenta, ainda, o destaque no reaggae vai para uma banda inglesa, com nome de impresso de desemprego: UB 40.

E só nessa década, ouvi o êxito da Jamaica, antigo, pop e autêntico percursor do reggae: my boy lolipop.

As histórias do Rock

O rock, enquanto história contada, tem alguns autores consagrados. Um deles, é Tony Palmer, que em 1976, publicou All you need is love, um dos livros básicos, para qualquer neófito se inteirar da história dos blues ao bluegrass.

Em 1978, o livro poderia ter servido de banda escrita, para acompanhar a banda sonora, da série que passou nas tv´s, incluindo Portugal. Agora, tal série, acaba de ser publicada em dvd.

Na época, a revista francesa Rock & Folk, dedicava uma das suas páginas da secção Erudit Rock, no mês de Dezembro 1978, ao debate, sempre aberto, acerca da melhor obra escrita sobre a música popular.
Escrevia o erudito, a uma pergunta de um leitor, que a obra de Tony Palmer, merecia atenção, por ser uma das melhores de sempre, no aspecto documentário. Criticava porém, a atenção de miscelânia que levava à mistura de géneros, incluindo o rock e perguntava-se o que teria Judy Garland ou Bing Crosby, a ver com Jimmy Page ou Jimmy Hendrix.
Para os eruditos franceses, por isso, a melhor história do rock, até então, era um volume da revista Rolling Stone, saído também em finais de 1976 e intitulado, "The Rolling Stone Illustrated History of rock n´roll".





















No mesmo número da Rolling Stone, de 16 de Dezembro de 1976, pode ver-se o anúncio ao livro de Tony Palmer e ainda ao volume da revista, sobre o mesmo tema e que os franceses, consideravam o supra-sumo porque integrava os escritos de diversos críticos de alta craveira: Nick Kohn, Jon Landau, Lester Bangs, entre outros. Consideravam ainda que o livro continha o necessário a uma obra do género: informativa ao extremo, sintética mas analítica no global, plena de paixão, mas também de lúcido espírito crítico.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

O som das músicas

A revista Música & Som, apareceu no mercado português, em Fevereiro de 1977. Não se pode dizer que tenha sido uma grande pedrada no charco da imprensa musical da época, mas na verdade, foi-o, porque em 1974, com o advento da Revolução de Abril, as revistas e jornais musicais, como a Mundo da Canção e o Disco, música & moda, perderam o peso específico, que tiveram durante alguns anos, como veículos de crítica musical e fonte de notícias sobre a música popular.

Em 1977, a carência era grande e quando o primeiro número da revista se apresentou, com uma capa duvidosa, em que figurava um cantor de teenagers, belga e insuportável, de nome Art Sullivan, ao lado de Bob Dylan, o pior era de temer.

Apesar disso, a ficha técnica da revista, dava algumas garantias de qualidade mínima e o primeiro disco em análise na revista, foi Blue Moves, de Elton John que então passava assiduamente no rádio, num texto assinado por João David Nunes, precisamente um nome de vulto no rádio de então.

Nos meses seguinte, porém, alguns números foram importantes. Por exemplo, em Junho de 1977, a par de um artigo sobre os Supertramp, o disco em análise, é simplesmente um dos maiores discos de sempre da música popular brasileiras, cantada em português por Taiguara.

O disco Imyra, Tayra, Ipy que nunca foi reeditado em cd ( excepto numa edição obscura, no Japão), é uma perfeita maravilha.













Na mesma revista, aparece uma referência fotográfica ao grupo alemão, Can, de um rock mais que progressivo e que ajudaram então a definir a minha moda de vestir. As camisas de rugby, listadas a verde e azul ou vermelho desmaiado e azul, como se vê na imagem, ainda hoje são um must have que não dispenso de ver e tentar descobrir.

Por outro lado, a revista, no início de 1978, tornou-se o único local onde podia ver alguma coisa relacionada com a minha revista fétiche: Rolling Stone.

No mês de Fevereiro de 1978, começava a publicação de artigos e notícias em serviço especial, por acordo com a revista norte-americana.


Ainda hoje não sei se não terá sido por isso que a revista desapareceu do panorama revisteiro português, desde o mês de Junho de 1977. O último número que comprei, foi o que tinha o actor Robert Niro na capa.

Por isso, passaram-me ao lado os números especiais dedicados à morte de Elvis Presley e a capa desenhada por Andy Warhol, de Outubro desse ano. Assim como me escapou o número comemorativo do XX aniversário da revista, publicado em 15 Dezembro de 77.

Porém, o número que me faltou mais, durante anos e anos a fio, foi o de 26 de Janeiro de 1978, com capa de Annie Leibowitz e foto em grande plano de Bob Dylan que nesse número e no seguinte, dava uma extensa e interessante entrevista, a Jonathan Cott, um dylanologista de mérito. O certo é que a revista só voltou a aparecer nos quiosques que frequentava e eram muitos, desde o Porto até Coimbra, passando por Lisboa, de vez em quando, em Ab ril de 1978.

E era tanto maior a minha pena em não apanhar a revista, quanto agora sei, como então prenunciava que a publicação, vivia os seus anos de ouro, ou mais que isso. Cada número , era uma descoberta, um delírio gráfico e uma maravilha de textos assinados pelos melhores críticos da música popular, para não falar das fotos de Annie Leibowitz.

Enfim, como quem não tem cão, para caçar, procura gato para o efeito, a circunstância de a Música & Som, ter começado a publicar exclusivos da Rolling Stone, servia de lenitivo à dor de carência, já então grave e sem remédio nem metadona substitutiva, a não ser a Crawdaddy e a Rock & Folk que lá iam servindo de alívio na dependência grave.

Assim, em Abril de 1978, lá publicou a Música & Som, a entrevista com Dylan, saída originariamente na R.S. Sem o glamour desta e sem o tratamento gráfico conveniente. Ainda por cima, a Rock & Folk, publicava no mês de Julho de 78, uma capa com um desenho de Jean Solé, reproduzindo a foto de Annie Leibowitz e relatando um concerto de Dylan nos USA, através do correspondente permanente, Phillipe Garnier. Imbatível, neste exercício de escrita.













Ainda assim, a Música & Som lá cumpria os mínimos no que se referia à música que nos dizia directamente mais respeito.

Em finais de 1977, publicitou um concurso em que “toca a todos”, desde que enviassem um texto, ensaio ou desenho. O prémio para o desenho ,era uma viola acústica, clássica e espanhola, da marca Almeria. Ora, eu já tinha a minha adorada Kiso-Suzuki, mas queria desenhar e ganhar o prémio e desenhei um tema proposto: Eric Clapton .

Fui aos arquivos de jornais, copiei as imagens de sequência cronológica e gastei horas a desenhar com todo o cuidado a lápis e depois a passar tudo a tinta da china, com pena gráfica fina e precisa. O desenho ficou bom. De se ver ao longe e apetecer guardar. Mandei, no fim do ano, para o concurso.

Em Fevereiro de 1978, ao folhear a revista desse mês, reparei nesta página, depois de ma assinalarem. Fiquei satisfeito, mas desiludido com o resultado gráfico, na revista. O original, onde para? Alguém o deitou fora?
Bem gostava de saber.