quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Sonhos empedernidos

Em 1973, Guy Peellaert, e o jornalista inglês Nick Cohn, publicaram um livro com ilustrações de figuras da música popular e chamaram-lhe Rock Dreams. O livro, segundo um artigo na revista Crawdaddy de Julho de 1974, é uma recolha de centena e meia de quadros originais, organizados como montagens fotográficas, com tratamento a aerógrafo, publicados de modo avulso em publicações alemãs e que foram recolhidas em livro pela editora francesa Albin Michel, em 1973. A edição inglesa foi noticiada nos primeiros meses de 1974.

A imagem supra, do original de 1973 ( versão inglesa ou americana, provavelmente), foi retirada daqui.

Quase todas as imagens do livro, foram realizadas a areógrafo. Algumas delas, foram sendo republicadas nas revistas de música, como a Rock & Folk, francesa, que em Outubro de 1982, por ocasião da reedição do volume ( pela mesma editora Albin Michel) , esgotado há muito, dedicou oito páginas ao assunto, o que aliás já tinha feito com a edição original, no número de Novembro de 1973, a que até dedicou a capa.
Aqui ficam algumas imagens desse livro, tiradas da revista Rock & Folk de 1982:




















As imagens de Peellaert que ilustrou ainda capas de discos ( David Bowie e o LP Diamond Dogs, de 1975, além do apontado dos Stones), levaram a que o livro esgotasse, tendo sido novamente reeditado, em 2003, por ocasião da efeméride dos trinta anos, pelas edições Taschen.
As duas imagens seguintes, retratando alguns ícones do rock, incluindo o grupo Crosby Stills Nash & Young, ficam melhor aqui ( ou na revista de onde foram tiradas) do que no livro de Peellaert. A razão, tem a ver com a dimensão. No livro, a dimensão maior, retiram-lhe paradoxalmente, o efeito do pormenor e de enquadramento num fundo negro que é onde assentam bem.



As seguintes, de Jerry Lee Lewis e dos Stones, são avulsas e da mesma proveniência:





















A iconografia rock, aliás, permitiu a alguns artistas, a expressão de imagens como estas que seguem, de finais dos anos setenta e usando o mesmo método pictórico.

Ar comprimido de inspiração

As publicações periódicas, com anúncios e ilustrações, sempre foram para mim, a fonte de conhecimento imediato das artes correntes.

Em determinada altura dos anos setenta, dei conta de um modo de ilustrar que superava o realismo fotográfico, com cores mais vivas que o real e pormenores iluminados de modo hiperluzentes.

A luz de um pirilampo no escuro de um noite quente de Verão, apresenta um amarelo hiper-realista, que uma pintura ou foto normal não captam com naturalidade.

A melhor forma de dar luz a um pirilampo numa folha de papel, é com tinta soprada em spray, por um instrumento inventado no final do séc. XIX, na América, o aerógrafo.

Contudo, esta informação, só recentemente a obtive, porque antes disso, as ilustrações de revista e de anúncio em reclamo de produtos, apenas fascinavam pelo aspecto deslumbrante do brilho, sem curiosidade acrescida para saber de onde vinham.

Hoje em dia, a informação disponível na Rede acerca dessa técnica especial, para ilustrar imagens originais ou retocar fotos, é suficiente para se tornar conhecida toda a história da pistolinha de ar comprimido que na América se chama Airbrush ou Aerograph e tem marcas como Paasche, criadas no início do séc XX.

Com esse pequeno instrumento e a habilidade técnica necessária, em conjunto com a sensibilidade suficiente, produzem-se pequenas obras de arte, com efeito visual impressionante.

Foi através dessa impressão inicial que nos anos oitenta procurei saber mais sobre esse tipo de ilustração e quem seriam os seus cultores mais exponenciais.

Através dos anos, descobri que no início dos anos setenta, se verificou um renovado interesse no uso dessa técnica pictográfica para a ilustração de capas de revista, posters de concertos musicais, publicidades variadas e ilustrações diversas.

Os pionieiro nesse revivalismo, no campo musical foram, sem dúvida alguma, os Rolling Stones que nos posters das suas tournées do início dos anos setenta, usaram ilustrações a aerógrafo, bem impressionantes na qualidade técnica.

As capas de discos foram outro campo onde pousaram as sopradelas do ar dos pequenos instrumentos de pintura e durante essa década, há sobejos exemplos dessa arte de fazer capa de disco em LP.

As revistas, particularmente as americanas Rolling Stone, Playboy ( e Oui), National Lampoon, Crawdaddy e Creem, usaram largamente das potencialidades da técnica hiperrealista para apresentar as suas chamadas de capa e de artigos de fundo.

Como exemplos máximos, saídos de várias ilustrações nos anos oitenta, ficam aqui as seguintes:
A primeira imagem que provavelmente me chamou a atenção para a beleza plástica da ilustração em aerógrafo, foi esta capa de disco dos Pretty Things, o Silk Torpedo, de 1974.
Em sequência fotográfica apresentam-se, de cima para baixo e da esquerda para a direita, ilustrações de Vargas, o americano das pin-ups ( concorrente do francês Aslan) extraída de um livro de ilustração e desenho, em espanhol, da editora H. Blume Ediciones, de 1982 e a capa da revista americana Creem de 1974 ; duas imagens da revista Rolling Stone, dos anos setenta; duas capas de discos, dos Rolling Stones ( It´s only Rock n´Roll, de 1974) e Rod Stewart, (Atlantic Crossing de 1975); ainda duas capas de discos de Elton John ( Goodbye Yellow Brick Road, de 1973 e Captain Fantastic, de 1975. Todas as imagens, excepto a da revista Creem, são extraídas de publicações que guardo.
Por último, uma referência ao ilustrador Guy Peellaert, que além de autor da capa do disco dos Rolling Stones, It´s Only Rock n´Roll, publicou em 1973, um livro de recolha de ilustrações em que se destacava esta técnica especial: Rock Dreams.






domingo, 19 de agosto de 2007

A música erudita aos 51


Num dia especial para mim, fica aqui uma leve abordagem da minha relação musical com a música erudita, dita clássica. Começou cedo e acabou depressa, para recomeçar muitos anos mais tarde, já na idade adulta e em recordação de temas passados e com mais de duzentos anos. Quando alguém refere a nostalgia de se ouvirem composições de pop/rock, com trinta anos, desvalorizando o facto pela carga de passado que transporta, esquece-se muitas vezes a circunstância de a música erudita, contar já centenas em cima e continuar actualíssima.

Aos onze anos, ouvir em auditório conjunto, a obra integral da sinfonia do Novo Mundo de Dvorak, era demais para um puto que começava a escutar Cat Stevens e os Beatles ou ainda o barítono Johhny Cash.

Além disso, a música religiosa em coral, era experimentada ao vivo e com participação na segunda voz, de um conjunto de quatro, por banda dos Pequenos cantores da Imaculada, na igreja dos Congregados de Braga em altura de cerimónias pomposas, com todas as circunstâncias da seriedade de uma celebração eucarística.

Talvez por isso, a música coral, continua a ser uma das maiores maravilhas que o ouvido pode escutar e é por isso que um dos discos que prefiro, entre toda a música coral que já me foi dado ouvir, é precisamente uma Missa, a alemã, D. 872, de Schubert.

Nas lojas de discos nacionais ( e até estrangeiras, pelo menos por onde passei), a música religiosa de Schubert, contida nessa missa alemã, não se exibe em abundância. Para além disso, a versão precisa que me agrada, é antiga, anterior a 1974 e serviu de indicativo ao programa de rádio Em Órbita, de Jorge Gil. Ainda não consegui arranjar o disco, com o coro original em alemão. Quando o ouvir, saberei com certeza absoluta que é aquele coro que ouvi e nenhum outro.

Para já contento-me em escutar religiosamente e com o maior prazer auditivo possível , a versão da missa, gravada em 1988, cantada por alemães, ( como deve ser) do coro Rias- Kammerchord- RSO- Berlin, dirigido por Marcus Reed.

É o que faço neste momento. E a seguir ouvirei, o terceiro andamento da Sinfonia nº 9, Adaggio molto e cantabile, de L.v. Beethoven, na versão, para mim inultrapassável, da Orquestra Filarmónica de Berlim, dirigida por H.von Karajan, numa gravação de 1963, a melhor que conheço de todas as que me foi dado ouvir ( e foram quase todas as de maestros conhecidos).

Esta sinfonia nº 9, de Beethoven, particularmente esse andamento, concentra, para a minha sensibilidade, toda a magia da música erudita porque sublima o espírito para a estratosfera da imaginação superior.

Muitas outras obras de música erudita conseguem esse efeito fantástico, nas condições apropriadas. Uma delas, é a música de Mozart, no Ave verum corpus, k.619.

A música erudita que me impressiona, eleva e espírito para a fronteira do religioso e do contemplativo. A música popular que me interessa, mostra-me o caminho do ritmo e das sensações diversas do mundo dos sentidos e do vivido. As duas, são uma só no universo da minha vivência e foi assim que equilibrei e harmonizei a dicotomia que em pequeno me pretenderam impingir: a de que a música popular era banal, medíocre e dispensável, por contraponto à clássica, erudita e elaborada para o espírito superior.

Acho que me vinguei dessa violência, porque acabei a gostar de ambas com a mesma intensidade.

Uma pequena composição de Kevin Ayers ( May I?)ou o Canon de Pachelbel, surtem um efeito semelhante no meu gosto, em circunstâncias precisas. Por isso, poderia fazer uma colectânea de preferências musicais, misturando todos os géneros e modos de fazer música, até a chamada pimba. Um clarinete de Mozart, para mim, em certas composições equivale à guitarra de Duane Allman ou de Eric Clapton. Um naipe de cordas de Elgar, equivale muitas vezes, para mim, às guitarras acústicas de Paco de Lucia e Larry Coryell, ou mesmo Al Di Meola, em certas composições.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Eros e Thanatos outra vez

Lembro-me muito bem do dia 15 de Agosto de 1978. Andava nas nuvens da paixão e cantava a todo o tempo, o que então passava na rádio e me interessava: O LP London Town, de Paul McCartney e os Wings e ainda City to City de Gerry Rafferty, dois excelentes discos que ainda hoje se ouvem com todo o prazer do momento.

Nas leituras, era na Rolling Stone que repousava os olhos ávidos pelas novidades musicais de lá de fora , da América.

No dia 15 de Agosto de 1978, feriado da Senhora da Assunção, já em casa e precisamente a esta hora ( tinha passado a noite em passeio, em grupo e com a minha amada, numa experiência de romaria a uma festa minhota), provavelmente lia esta notícia, um obituário de Sandy Denny, uma das cantoras que mais aprecio e cujos discos, são todos imprescindíveis, principalmente o primeiro a solo e que contém uma versão inultrapassável de um título de Bob Dylan: Tomorrow is a long Time. O tema, é a perfeita transposição, no tempo, dos sentimentos de paixão que me separam de mulheres diferentes, num espaço de vinte anos. Fantástico. E com uma singularidade: foram as maiores paixões, as mais duradouras e provavelmente definitivas.

Quando Sandy Denny morreu ( num acidente doméstico, caiu de uma escada), senti uma tristeza pelo desaparecimento de uma voz única, como sinto sempre pelo desaparecimento dos artistas que felizmente, são muito, muito poucos.

No caso dela, porém, ficaram os discos. Passados uns meses, em Janeiro de 1979, experimentei o maior sofrimento da minha vida, associado à perda daqueles que amamos. Nem imaginava, ao ler em Agosto de 1978, a notícia da morte de Sandy Denny, que dali a um tempo, experimentaria o maior pesadelo que alguém pode ter, naquela idade: perder para sempre aquela que se ama.

É em sua memória que deixo aqui este postal. Como deixo um poema de António Feijó ( poeta de Ponte de Lima, 1859-1917) que li sempre acompanhado, com as mencionadas e com uma profunda tristeza, porque é um poema tragicamente realista. Romântico. Porque a essência do escrito, sendo verdade, é iludível pela vontade de contrariar o veredicto antecipado do Tempo. Só tarde demais nos apercebemos do conteúdo terrível da profecia que encerra. É notoriamente uma alegoria de Thanatos.

Pela montanha alcantilada
Todos quatro em alegre companhia,
O Amor, o Tempo, a minha Amada
E eu subíamos um dia.

Da minha Amada no gentil semblante
Já se viam indícios de cansaço;
O Amor passava-nos adiante
E o Tempo acelerava o passo.

_ " Amor! Amor! Mais devagar!
Não corras tanto assim, que tão ligeira
Não pode com certeza caminhar
A minha doce companheira!"

Súbito, o Amor e o Tempo, combinados,
Abrem as asas trémulas ao vento...
_ " Porque voais assim tão apressados?
Onde vos dirigis?" _ Nesse momento,

Volta-se o Amor e diz com azedume:
_ " Tende paciência, amigos meus!
Eu sempre tive este costume
De fugir com o Tempo...Adeus! Adeus!"

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Eros e Thanatos

Num tempo- anos sessenta- em que a tv (de todo o mundo e não só por cá) censurava imagens mais arrojadas de nudez e se recatava a sexualidade a um recanto da intimidade própria a cada um ( como sempre aconteceu, aliás, porque nos filmes mostram-se apenas as aparências da realidade), havia um nicho por onde se espreitavam as formas femininas: as revistas e jornais.
Toda a imprensa, em Portugal como noutros lados, sempre explorou a beleza das mulheres como meio de vender exemplares, suscitando a curiosidade de voyeur natural que todos somos, em maior ou menor grau, sempre que se mostra o que normalmente anda escondido.
As revistas de "gajas nuas", não existiam em Portugal, nos anos sessenta, mas havia arremedos disso que perduraram na década seguinte.
Nos anos setenta, a Plateia e o "Cara Alegre", esta, uma revista de anedotas brejeiras e imagens contidas mas provocantes e uma página do Diário Popular que publicava fotos dignas da página 3 do Sun, acolhiam os olhares concupiscentes de adolescentes em fase de descoberta.
Em 1970, a revista Mundo Moderno, aparecida em 1968, dava um ar de graça, em Portugal, ao mundo descoberto pela Playboy americana, aparecida em meados dos anos cinquenta.
Não obstante, a nudez frontal, publicada a cores e em papel lustroso, só depois de Abril de 1974 chegou livremente por cá, com uma onda de publicações até aí proibidas.




















A curiosidade, forçosamente, levaria à descoberta, porque as revistas se folheavam livremente, nas livrarias...
Contudo, mesmo durante a escassez de imagens explicitamente despidas, havia em circulação livre, no Portugal de costumes conservadores dos anos sessenta, o conceito de "pin up", também adoptado noutras paragens, designadamente americanas.
Uma das imagens, mais intensamente eróticas que me lembro de ter visto, ainda antes da adolescência e portanto de uma inocência apenas perscrutadora, surgiu na capa da revista Mundo Motorizado, dos anos sessenta. Ficou guardada, como imagem de época de inocência e ao mesmo tempo de curiosidade ainda formadora.
Em 1974 surgiu, entre outras ainda mais ousadas na revelação das formas femininas, a revista Playboy. O primeiro número que me lembro de ter folheado e eventualmente comprado, foi um de Novembro de 1974 que não guardei o exemplar ( a não ser a folha que segue), do que me arrependo agora e que tinha esta capa.
O sumário do número seguinte de fim de ano, descreve eloquentemente porque é que a revista nessa altura, era um must que passava muito para além da imagem das duas páginas centrais e fotos adjacentes.


A revista Playboy, foi ao longo dos anos, nomeadamente dos setenta, um viveiro de grafismos e textos de altíssima qualidade, que servia de recheio às figuras das páginas centrais e permitia o álibi intelectual a quem não gostaria de ser apanhado a ler a revista por causa de outra coisa que não os artigos...
Por isso, grandes escritores lá deixaram pequenos contos, textos engraçados e ilustradores de renome, fizeram por lá o seu portfolio. A revista, imaginada por Hugh Hefner como ícone de uma classe média americana de tendência hedonista, simbolizou durante alguns anos o erotismo soft admissível numa sociedade de abertura de costumes e que conduziu à total liberdade que hoje se verifica na internet, com acesso indiscriminado e sem reservas a toda a espécie de imagens, mesmo as mais horrorosas e sem freio de costumes.
A revista comemorativa dos trinta anos, de 1983, trazia um apanhado do melhor que lá fora publicado nessas três décadas. E a conclusão a extrair é que os melhores anos da revista acabaram nos setenta. Como o atestam as duas capas com Farrah Fawcet e com Raquel Welch.

mitificação de imagens

Entre estas duas imagens da mesma pessoa- Françoise Hardy - há décadas de tempo. E uma metáfora sobre a mudança física.
No entanto, este pequeno clip, reconduz a verdade da primeira e refaz a realidade da segunda.

Imagens: a primeira da revista Mojo: a segunda, da net.

Mais imagens míticas

Esta imagem, provém de um filme de 1971- The Last Picture Show - de Peter Bogdanovitch ( e não como antes erradamente indiquei, ser de 1973- American Graffiti -de George Lucas ) e que retrata os anos 50 americanos, com uma banda sonora fantástica ( o American Graffiti, entenda-se). A imagem, publicada no Expresso de 1974, ( e que também se encontra agora disponível na Rede, concitava a atenção pela beleza estética e feminina que transmitia. É uma das imagens míticas da adolescência, porque é exactamente isso: um mito. Nem a actriz, em filmes posteriores, condiz com esta imagem, nem o que ela traduz é passível de repetição, embora seja possível a réplica. Esta imagem é apenas como um quadro. Belíssimo.

As imagens míticas

No começo de 1975, esta imagem de Nico, uma alemã então com pouco mais de trinta anos ( e já falecida em 1988) e que cantava com os Velvet Underground, ficava assim, nas páginas da Rock & Folk e apetecia olhar, definindo uma imagem feminina aperfeiçoada e de sonho.

domingo, 5 de agosto de 2007

Os desenhos dos setenta

Primeiro a beleza pura, a estética e a novidade, logo em 1974. O militar, é um soldado de Abril, nas instalações da RTP, tirada de uma foto de Gageiro ou Caldeira.
A seguir a emoção da velocidade, num objecto japonês, de desejo intenso e design perfeito.
Depois a política consciencializada, sem concessões a aventuras à esquerda dominante. 1975.
Por fim e sempre presente, a música popular, a seguir à redescoberta dos Crosby, Stills, Nash & Young.
E uma reflexão pessoal, sobre as mitologias e a melancolia do Outono, aos vinte anos. "Love lost; such a cost, give me things that don´t get lost. Like a coin that won´t get tossed, rolling home to you" ( Neil Young, tema Old man, do LP Harvest, de 1972)

Um tipo de letra chamado Cooper.

Na América do início do século XX, a necessidade de publicidade, aguçou o engenho de muitos desenhadores de letras para os reclamos de jornal. O movimento de desenhadores de letras, levou mesmo à constituição de uma associação dos American Type Foundation ( ATF) e um dos expoentes, das letras de tipografia, passara a ser o tipo inventado por Oswald Cooper, ( 1879-1940).

A letra redonda e cheia, a negro ou delineadamente vazia, foi um dos tipos de letra mais apelativos, para a minha sensibilidade estética, desde sempre e sem conhecer a história do tipo Cooper, que foi coisa recente e de interesse investigado a preceito em biblioteca, mesmo a virtual.

Assim, no desenho de logotipo de título de revista, o tipo Cooper, serviu às mil maravilhas, para publicitar a francesa Salut les Copains, dos anos sessenta e que acompanhou a evolução da música pop, nesse tempo de misturas entre o rock e a pop, antes de os Beatles, publicarem Rubber Soul e Sgt Peppers e os Rolling Stones, Beggar´s Banquet e inventarem a língua de fora.

A revista Salut les Copains, saiu em primeiro número no ano de 1962, muito a tempo de acompanhar a doçura da voz de Françoise Hardy e dedicar-se, depois dos setenta, às inutilidades do pop francês.

Deixou contudo o tipo de Cooper que foi copiado a seguir, em 1966, pela Rock&Folk e em 1969 pela portuguesa Mundo da Canção e ainda pelo jornal da Madeira, O Comércio do Funchal, onde debutou Vicente Jorge Silva e escreveu o médico Ricardo França Jardim que chegou a assinar umas crónicas estupendas no Público dos noventa.

Serviu ainda, em 1966, para o título da prestigiada revista francesa Magazine Littéraire:











Ainda serviu para logo da Pop, revista alemã de posters e artigos incompreensíveis que saía no início dos anos setenta e se vendia por cá.

É um tipo cheio, apelativo e redondo, aperfeiçoado para a publicidade. E fica assim, nas revistas indicadas:












Com aproximações evidentes ao estilo de Cooper, poderemos ainda ver as seguintes revistas americanas, dos anos setenta: a satírica National Lampoon e a primeira revista de crítica musical, popular, Crawdaddy.





















Não obstante as revistas dos anos sessenta e setenta, ostentarem logotipos, com tipo Cooper, a verdade é que já no início do século, a revista das revistas americanas, onde colaborou Normal Rockwell, apelava ao tipo de Cooper e foi daí que sairam muitas inspirações tipográficas.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Rolling Stone

Como é que me lembro da descoberta da revista Rolling Stone, na primeira metado dos setenta?
Lembro-me de a ver colocada, como os livros, na banca da livraria Bertrand, da cidade em que vivia. Era uma banca de entrada, onde se expunham revistas, maioritariamente estrangeiras, ainda antes de 25 de Abril de 1974.
Francesas, como a Paris Match, CinéRevue e Nouvel Observateur, L´Express ou a Rock & Folk, também de música. Alemãs, como a Der Spiegel, Stern, Pop ou outras de imagens apelativas, principalmente no Verão, de nomes breves como Quick e ainda a Der Spiegel ou a Stern, de formato grande. Brasileiras também, como a Realidade, a Manchete ou a História ou ainda a versão das Selecções do Reader´s Digest. Sobre música popular ainda havia o jornal Melody Maker e também o New Musical Express, ingleses de boa cepa, dos quais ainda se aguenta nas vendas o segundo, agora transformado em revista. Depois do 25 de Abril de 1974, nas mesmas bancas, mas um pouco mais recatadas, a aparição das capas de revistas até aí proibidas pela censura, como as americanas Playboy, Penthouse ou Oui, ou as inglesas mais especiosas e escondidas e ainda as capitosas francesas, Lui ( com fabulosos desenhos de Aslan) e Absolu, que cativavam a atenção adolescente de modo irreprimível.

A primeira vez que dei atenção suficiente à revista Rolling Stone, para folhear e comprar ( e nem era tão cara como outras, pois na altura, ano de 1974-75, custava 37$50, contra os 50$00 da Rock & Folk) foi em Abril de 1975, por causa de uma capa e de um artigo. A capa era sobre o actor e detective de série televisiva, Columbo, então um sucesso, seguido religiosamente todas as semanas e o artigo era sobre o assassinato de Kennedy.

As fotos de Annie Leibowitz, sobre Columbo/Peter Falk, misturavam-se com o filme amador de Zapruder, sobre os últimos instantes de Kennedy, em Dallas.

A parte fotográfica era dirigida por Annie Leibowitz e o enquadramento das rubricas, em colunas de quarto e meia página, com ilustração inovadora e as crónicas de discos na parte final, assinadas por Dave Marsh, Bud Scoppa, Paul Nelson, Greil Marcus e outros.

Durante o ano de 1975, as sucessivas referências na revista Rock & Folk, na secção Boogie Woogie, assinada por Patrice Blanc Francard, criaram uma curiosidade que cedo enviesou para a obsessão em encontrar os números quinzenais da revista que entretanto desapareceu das bancas da Bertrand, provavelmente em curso de mudança de direcção, com as vicissitudes da época revolucionária que Portugal atravessava.

Não obstante, em Setembro de 1975, em Lisboa, na Bertrand ou noutros locais de venda de revistas estrangeiras, no Rossio, por exemplo, não consegui encontrar o exemplar já então buscado com obsessão compulsiva. Acabei por encontrar a capa e contracapa, do número 195 de 11 Setembro 1975, consagrada à figura de Mick Jagger e uma chamada de atenção sobre o reggae, fenómeno musical recente e em ascensão. A revista, abandonada, por um qualquer turista em trânsito, num parque de campismo, por trás do Estádio Universitário, onde ocasionalmente me encontrava, foi recolhida, apenas com a capa, amarrotada, e serviu de alimento à compulsão, durante longos meses. Guardei-a e ainda tenho e exemplar. Quanto à revista de Abril de 1975, com a capa de Columbo, acabei por as adquirir posteriormente, há uns anos atrás, tal como o fiz em relação a outros números dos anos de 73, 74 e 75.

Assim, o interesse na Rolling Stone, partiu da leitura da rubrica Boogie Woogie, da Rock & Folk, em que se dava conta, numa página geralmente, das entrevistas passadas nas Rolling Stone anteriores. Essas pequenas passagens transcritas, alimentavam a curiosidade em encontrar o número da quinzena, vendo no entanto o sítio do costume, sempre ausente, numa frustração constante que durava meses e até anos.

Só um mês de dois números depois ( a revista era quinzenal), consegui comprar o primeiro número da revista, a 198, de 22 de Outubro, num kiosque de Coimbra, no local onde também funcionava um cinema, junto à estação de comboios.

O kiosque tornou-se, a par da livraria Bertrand da cidade, o meu fornecedor habitual da Rolling Stone. Infelizmente, passados dois números, essa novidade quinzenal deixou também de aparecer, não obstante as minhas interrogações acerca da chegada desejada. O interregno de jejum de leitura da RS, durou longos meses, até que em Julho de 1976, por especial favor de um amigo que se deslocou a Paris, voltei a por os olhos, no número 216, trazido da cidade-luz. Para trás ficaram mais de uma quinzena de números, uma boa parte deles recuperada posteriormente. Depois desse número de Julho de 1976, só em Setembro do mesmo ano voltei a ler a revista, com um artigo sobre Rock e Politics e um outro sobre Stills & Young, nessa altura em duo.

Atendendo às falhas na distribuição da revista, por essa altura chegaram à Bertrand de Coimbra, uma série de números atrasados. De uma só vez, apareceram os números 222, sobre Neil Diamond e um suplemente sobre alta fidelidade; o 223, com uma entrevista a Elton John ( aquela onde revelava pela primeira vez a homosexualidade), e ainda um número todo dedicado às fotos de família de Richard Avedon e ainda um outro( 225) sobre Brian Wilson e os Beach Boys. Perante a oferta custosa, sendo preciso escolher, ficaram duas, a 222 e a 225, ficando para trás a entrevista a Elton e o número sobre Avedon que nunca mais recuperei.
A partir dali, no entanto, durante 16 números, até ao 241 de Junho de 1977, não falhei um só. E só falhei os seguintes 20, até Abril 1978, porque voltou a acontecer o corte no abastecimento regular. Depois disso e até finais do século, tirando um ou outro número, nunca mais deixei de coleccionar a Rolling Stone, até que um dia, farto de comprar e nem sequer ler, abandonei o vício, como quem larga de fumar: de uma vez só e sem remorso.

No entanto, os números antigos que comprei depois para completar a colecção valem pela qualidade gráfica, mesmo em papel de jornal e pela reminiscência do tempo passado e maravilhoso da descoberta de quase tudo, na música e nas artes e até na literatura. O único número que ainda não consegui coleccionar, é um de 26 de Janeiro de 1978 que trazia uma capa com uma foto de Bob Dylan e no miolo uma entrevista com Jonathan Cott, o intelectual da revista. O número, mítico, foi meses depois imitado pela Rock & Folk, com um desenho de capa de Jean Solé e um artigo acerca dos concertos do cantor, em Santa Monica, da autoria de Philippe Garnier, grande repórter da revista destacado na California, numa altura em que Bob Dylan pouco mais tinha a dizer musicalmente. Não obstante, foi exactamente por essa altura que renasceu o interesse em voltar a ouvir velhos discos de Dylan, como Blonde on Blonde, um dos seus melhores álbuns.


Cada número da Rolling Stone, exposto em escaparate, atingia-me com um fascínio inefável e que ainda hoje não consigo explicar. O logótipo da revista, desenhado logo para o primeiro número pelo americano Rick Griffin, autor de posters e capas de discos de inúmeros artistas, na cena musical sul californiana, na altura do flower power psicadélico, é simplesmente genial, na evocação. Para mim, é o melhor título alguma vez desenhado para uma revista, de todas as que conheço. Nenhuma das que lembro ter visto em escaparate, provocava o fascínio da descoberta como a Rolling Stone então o fazia.

A ficha técnica da revista, dessa altura, dá gosto ler. Como colaboradores, apareciam nomes como David Fricke, Dave Marsh, Greil Marcus ( o autor de Mistery Train, um dos melhores livros escritos, sobre a música rock), David Felton, Jon Landau, Pete Hamil, Jonathan Cott( o entrevistador intelectual) e Cameron Crowe ( que anos mais tarde fará um filme- Quase Famosos- sobre os grupos musicais do sul da California, reflectindo a própria vivência pessoal como repórter da revista).

Para além dos colaboradores, alguns escritores por lá passaram, com destaque para Tom Wolfe ( Bonfire of the Vanities que foi publicado em primeira mão na revista) e ainda Hunter Thomson, o escritor inventor do jornalismo novo, de tipo esgazeado, sobre as campanhas eleitorais americanas e certos eventos de massas.

No capitulo da ilustração, a RS congregou sempre, na melhor tradição americana, as novidades do momento. As ilustrações a aerógrafo de início dos anos setenta, apareceram na capa da revista , logo em Março de 1972 ( nº 104, numa capa dedicada a Bob Dylan) e em Fevereiro de 1973, a capa da revista apareceu pela primeira vez em quadricromia, com Bette Midler e a seguir, Robert Mitchum, ilustrado numa aerografia, técnica usada várias vezes ao longo dos meses seguintes, com destaque para o ilustrador Robert Grossman.

Não obstante a atenção dada a desenhadores como Greg Scott, Milton Glaser, Garry Trudeau, Daniel Maffia, Andy Wharol, Gottfried Helnwein, Elwood Smith e outros, como o permanente Ralph Steadman, o melhor da revista, graficamente, transmite-se nas fotos.

A revista logrou uma das melhores fotógrafas de sempre, chamada Annie Leibowitz que assinou a capa de 22 de Janeiro de 1981, dias depois da morte de John Lennon e que foi considerada na América, há pouco tempo, a melhor capa de sempre, todas as revistas incluídas, mesmo a New Yorker, a Atlantic, a Saturday Evening Post, a Look, a Life, a Playboy e outras Time.

Antes dessa capa memorável tinha assinado outras, como em 26 de Janeiro 1978, sobre Bob Dylan ( e que serviu inegavelmente de inspiração directa, para a capa da Rock & Folk de Julho do mesmo ano, assinada pelo desenhador Jean Solé) e ainda muitas outras de gosto seguro e apelativo.

A Rolling Stone, representa talvez a revista que mais influência teve no meu gosto estético sobre o modo como se escreve, ilustra, desenha, fotografa, compõe e arranjam as páginas para apresentar um artigo sobre um assunto qualquer, inclusive sobre música. E qualquer assunto merecia a atenção da Rolling Stone nos anos 70. Desde a política, de um ponto de vista liberal, de esquerda americana, até aos temas de fait-divers e aos religiosos.

Em 28 Dezembro de 1978, tratava o assunto do Sudário de Turim, de um modo que nunca mais esqueci e me levou a procurar conhecer mais sobre o caso.
Os artigos de Dave Marsh, na secção American Grandstand, firmaram standards de qualidade crítica.
Os artigos de P.J. O´Rourke ( hoje a escrever na Atlantic), foram sempre uma novidade literária ligeira e de grande qualidade e gozo certo na leitura.
As reportagens sobre acontecimentos mundiais, locais ou intelectuais, fizeram sempre da revista, uma referência para colecção.
Hoje, guardo os principais números das décadas de setenta, oitenta e noventa, como relíquias de algo desaparecido: o jornalismo inovador, no conteúdo como no grafismo.

Em Fevereiro de 1976, descobri no mesmo sítio ( a Bertrand de Coimbra), outra revista americana do mesmo género. A Crawdaddy, a primeira revista sobre música rock, fundada em 1966 por Paul Williams, passou também a ser objecto de colecção, a partir dessa altura e a seguir se dará conta disso.