Decorre na Gulbenkian até Janeiro próximo uma exposição sobre Hergé e a sua obra gráfica, cujo expoente máximo é o Tintin, acompanhado do cãozinho milou e do marinheiro Haddock e outras personagens já lendárias como o professor Tournesol.
Em 12 de Novembro será a vez de uma "conversa" tendo interlocução de António Cabral e António Araújo acerca do autor e o Portugal do Estado Novo. Estou para ver o que irá sair de tal toca embora não augure nada de especial, esperando-se o pior.
A exposição tem a colaboração do museu Hergé, na Bélgica e segundo li algures é a mesma que já foi mostrada em Paris, no Grand Palais, em 2016 ( entre 28.9.2016 e 15.1.2017).
Na altura foi muito divulgada em França tendo merecido a atenção de revistas como Le Figaro magazine:
E mesmo a Beaux Arts:
Tais revistas davam espaço ao mito do Tintin de Hergé procurando mostrar novos aspectos das historietas desenhadas por Hergé e a sua equipa dos Studios, em Bruxelas.
Ao longo dos anos o mito de Tintin foi consolidando à medida que as historietas foram sendo publicadas, desde os anos trinta e a última das quais em 1975, a da aventura com os Picaros.
Por mim conheci o Tintin no início dos anos setenta, através da revista com o mesmo nome, cujo primeiro número surgiu em Portugal em Junho de 1968.
Apanhei a historieta do Tintin na América, a meio e no mesmo ano começou a historieta dos Charutos do Faraó, com esta capa:
No mesmo ano e pela mesma altura a revista Tintin, na edição belga original, tentava explorar graficamente, através de "cromos", a historieta do
Lago dos Tubarões, em desenho animado então realizado.
Devo dizer que as historietas do Tintin não me impressionavam por aí além, comparando com outras que a revista publicava, mas eram sempre interessantes e suscitavam curiosidade a cada página por causa do efeito pretendido pelos autores em surpreender com pequenas anedotas ou lances de suspense que ficavam a aguardar oito dias o desenlace, aliás sempre satisfatório e feliz.
A aventura em si era geralmente do género clássico em que aparece o mau que faz o mal e o intrépido repórter que o combate, sempre com sucesso. Pelo meio a intriga desenrola-se nas várias peripécias que dão corpo a cada historieta e tornaram a personagem já lendária na cultura popular.
Hergé e a sua equipa desenharam e publicaram ao longo dessas décadas de 30 a 70 do século XX, duas dúzias de álbuns originais, incluindo um "post-mortem", apenas iniciado em esboço pelo autor( Alpha-Art) e um primeiro que se tornou icónico pelo significado contextual: uma aventura na União Soviética do tempo do terror estalinista, cujo interesse artístico é muito relativo .
Por causa do desenho muito sofrível dos primeiros álbuns, alguns deles foram "refeitos" e redesenhados na década de sessenta, por colaboradores de Hergé, entre os quais, Jacques Martin e Bob de Moor, verdadeiros co-autores de tais obras. Tintin na América é um deles e a versão que li no início dos anos setenta já não foi a original, tal como a Ilha Negra e a aventura no País do Ouro Negro, cada um deles com três versões distintas, sendo os orginais dos anos trinta, redesenhados nos anos 40, 60 e 70, no caso do último.
Tal com contava a revista Le Point de 6.10.2011:
O depoimento daqueles co-autores, responsáveis por muitos dos desenhos das historietas, é muito importante para se entender a idiossincrasia de Hergé e o contributo dos mesmos para a obra do Tintin.
Jacques Martin foi entrevistado em Janeiro de 1999 pela revista BoDoï, contribuindo muito para mostrar a verdadeira faceta de Hergé, afastada do mito que actualmente parece percorrer a exposição em causa, incluindo a desmistificação do estilo "ligne claire":
Em Portugal o Tintin e Hergé foram alvo de atenção e publicação muito cedo. De facto quase logo no início das aventuras, por causa de um autor memorável que por cá dirigia publicações juvenis: Adolfo Simões Müller. No JL de 16.3.1987 contava a história:
O Público de 2004 também deu importância às historietas de Tintin e publicou os 24 álbuns, com explicações escritas por Carlos Pessoa relativamente a cada um deles e á obra de Hergé.
Se nos anos setenta as aventuras de Tintin não me suscitavam entusiasmo por aí além, com o passar dos anos e a atenção mais cuidada a tais historietas, com leitura de diversos artigos e ensaios passei a apreciar de modo diverso tais historietas.
Em 1983, por ocasião da morte de Hergé, a revista A Suivre ( muito criticada por Jacques Martin, por se desviar do modelo clássico do género, consagrou um número especial.
Numa página traz o depoimento de um dos primeiros grandes colaboradores de Hergé, Edgar Pierre-Jacobs, autor consagrado da série Blake et Mortimer e que ao contrário de Hergé e família, não proibiu que outros desenhadores e seguidores continuassem a série que criou.
Na altura, Jacques Martin foi mais diplomático na apreciação de obituário:
Tal como Bob De Moor, outro dos grandes colaboradores de Hergé e autor de outras séries publicadas na revista Tintin ( Barelli) :
Quanto à obra de Hergé, para além de Tintin:
Ao longo dos anos tem havido uma reanálise da obra de Hergé e do Tintin em particular no sentido de apontar as inovações, curiosidades científicas e outras espalhadas nas diversas aventuras, com documentação muito cuidada e interessante.
A revista Science & Vie de 2002
E no ano 2019 a revista Geo passou a publicar trimestralmente uma edição temática consagrada às aventuras de Tintin, muito bem documentada e ilustrada. Já vai no número 9.
Finalmente, durante algum tempo houve tentativas de assimilar Hergé ao fassismo e até ao nazismo, devido a uma suposta preferência pelos alemães no tempo da guerra, esquecendo por exemplo a sátira da aventura do Ceptro de Ottokar.
Parece que tal ideia foi afastada, ao longo dos anos, tal como se pode ler acima.
No entanto, em 26 de Junho de 1992 o Independente de Paulo Portas e MEC tinham esta capa no suplemento Vida:
Tudo por causa de uma entrevista de Sara Adamopoulos a Léon Degrelle, cuja publicação fica para uma próxima oportunidade pelo teor interessante da mesma e que hoje seria virtualmente impossível de fazer...
E a casa-mãe em Bruxelas, a Lombard, em foto de há quatro anos: